21 de maio de 2007

AIDS

(28 de novembro de 2005 - Publicado na Lista Democracia)

Querida Alyda e demais amigas e amigos,

1-Em 1990 eu vi pela primeira vez um aidético. Ele era meu amigo, foi militante de esquerda e do movimento estudantil, poeta, professor e homossexual assumido. Eu e a minha companheira Débora sempre dizíamos que ele foi nosso cupido de namoro e casamento, porque ele nos ajudou muito.

2-Quando eu e a Débora soubemos de sua doença, ficamos muito deprimidos. Não era fácil (com ainda hoje não é simplificado) imaginar que essa enfermidade passa do curso patológico e adentra no trajeto da moral de uma sociedade conservadora.

3-Quase 14 horas de um sábado de julho. Verão. Cheguei no Hospital Universitário Barros Barreto (UFPA/Belém), muito nervoso. Muito nervoso. Cheguei até o quarto andar. E de longe percebi o meu amigo Beltrano (vou chamá-lo neste artigo deste modo) deitado sem nenhuma visita. Abracei-o. Beltrano caiu no pranto. Eu igualmente chorei.

4-Eu era o primeiro visitante, fora os seus parentes, a visitá-lo. Vi de imediato seu rosto e seu corpo que já estava combalido pela magreza. Tentei (e como tentei!) consolá-lo, porém Beltrano só falava na morte.

5-Nesse momento comecei a presenteá-lo. Tirei da minha sacola algumas maças, um creme de bacuri, uma camiseta do nosso Paysandu e dois livros de Pablo Neruda: CONFESSO QUE VIVI e OS VERSOS DO CAPITÃO. Conversei com Beltrano quase três horas. Foi uma tarde de reminiscências. Adorável. Voltei novamente a visitá-lo umas 6 vezes até antes dele morrer.

6-E nas minhas conversas com Beltrano, eu pensava na época, quando nós vamos superar os preconceitos contra os aidéticos? Quando vamos avançar em políticas contra essa doença? Quando a ciência vai nos ajudar acabar ou diminuir substancialmente os perigos da AIDS?

7-Eram indagações de uma pessoa que em 1990 tinha um amigo aidético e que em dezembro de 1991, faleceu.

8-E de lá pra cá e eu tenho estudado muito a questão da AIDS. Uma das minhas fontes de leituras são os Relatórios da ONU.

9-Semana passada saiu o mais recente relatório e mostra que o número de pessoas infectadas com o vírus HIV dobrou em todo o planeta ao longo dos últimos dez anos. Hoje, as pessoas portadoras do vírus ultrapassam os 40 milhões, dos quais 5 milhões só em 2005. A Aids já matou mais de 25 milhões de pessoas. A maior incidência da doença continua se registrando na Ásia, África e Leste europeu, onde cresceu cerca de 25 vezes.
10-No Brasil, que desenvolve um dos melhores programas de combate à doença, reconhecido até pela ONU, a Aids tende a se estabilizar, mas está longe ainda do efetivo controle.

11-A doença continua se alastrando em mulheres, na faixa dos 25 a 40 anos, infectadas muitas vezes pelos próprios maridos, que contraem o vírus em relações extraconjugais. O relatório da Organização das Nações Unidas destaca também a mudança de comportamento dos jovens brasileiros, que estão iniciando a vida sexual mais cedo, mas tendem a usar preservativos em suas relações.
12-Enquanto no Brasil existem políticas públicas de combate à doença e de ampla disseminação de informação, alertando a população sobre os riscos de contrair o vírus da Aids, nos Estados Unidos a política oficial é a de abstinência.

13-Um absurdo isso!

14-Eu lembro que os EUA foram duramente criticados no relatório sobre a Aids da ONU, que textualmente observa: "É muito mais do que ineficaz. É um desserviço no controle da doença, descolado de qualquer critério científico". Eu lembro também que na América, as igrejas em geral "satanizam" os preservativos, diz o relatório da ONU.
15-Só que a ONU, no seu documento enfatiza: "A abstinência é segura, mas não é factível. Exemplos dentro da própria Igreja mostram isso. Se entre grupos motivados já é difícil, imagine entre adolescentes, e ainda mais se perde a perspectiva saudável da sexualidade humana".

16-Corretíssima a postura da ONU ao contrapor as teses das Igrejas norte-americanas e da Igreja Católica.

17-Julgo outro ponto importante é que o relatório sobre a Aids no mundo recomenda aos países seguirem o exemplo do Brasil e a se recusarem a receber recursos de órgãos que exigem o vínculo do dinheiro de prevenção a políticas específicas. O Brasil, por exemplo, recusou dinheiro de financiamento de órgão americano, a USAID, porque a entidade exigia, em troca, que as organizações beneficiadas não apoiassem a legalização da atividade das profissionais do sexo.
18-É perfeita a postura do governo brasileiro que hoje é uma abono de exemplo nessa questão da AIDS. Aliás, essa política já vem sendo defendida desde governo FHC, com ativa participação e idealização do ex-ministro José Serra.

19-Entretanto, vi com certa triste alguns dados no relatório. Segundo levantamento de órgãos da ONU, o planeta precisa aplicar, em 2006, US$ 8,6 bilhões e, em 2007, US$ 10 bilhões para o fortalecimento dos programas de prevenção e tratamento da doença.

20-Sem esse dinheiro não vier teremos ainda mais adversidades, porque na África, por exemplo, apenas 10% da população contaminada tem acesso aos remédios. Na Ásia, essa taxa sobe para 15% dos infectados.

21- E aqui nem contei e/ou analisei a trajetória preconceituosa que arrosta os aidéticos. Portanto, a pior doença do século, portanto, precisa de muito dinheiro e de muita atenção das autoridades governamentais, na medida em que a epidemia de AIDS continua batendo recordes ano a ano, numa expansão que chega a contaminar milhões de pessoas em todo o planeta.

Aquele abraço,
Lauande.

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