13 de agosto de 2007

Égua do cara que fala bem sô!


Palavras de um participante da palestra que o Eduardo realizou em Dom Eliseu.
Postado por Diego Sarmento

Tio Dudu na Churrascaria



Postado por Diego Sarmento.

4 de julho de 2007

21 de maio de 2007

PLATILHA, O SUBVERSÍVO

(19 de Janeiro de 2001)


Amigo José Maria Quadros de Alencar,

Faz vinte e anos anos que ocorreu a abertura do Congresso Nacional pela Anista, em São Paulo. Em Belém, tinha o Raimundo Jinkings, Humberto Cunha, José Platilha, Sá Pereira e tantos outros pela luta da anistia. E é sobre o anistiado Platilha que eu vou escrever.
Em 2002, o nosso amigo José Maria Platilha perdeu, em pouco tempo, seu filho e sua mulher. Platilha resistente permanecia lado a lado com seus amores de vida. Sempre na sua branda sonoridade de solidariedade e moderação. É, só mesmo o Platilha, para ter tanto comedimento e musicalidade com a vida.
Seja que o Platilha ceda, algum dia, à depressão, seja que dela queira fugir do nosso convívio, nunca deixará de ser o que é e foi: meu camarada e confidente. Platilha é, acima de tudo, meu amigo! E de se constituir para nós, amigos e militantes políticos, de contínua e melódica referência democrática.
E por ser o Platilha, invariavelmente, ele liga pra mim sempre por volta das onze da noite. Minha mãe Gracy e minha esposa Débora já até sabem que é ele: -É o Platilha!
Sei que vou permanecer no mínimo uns quinze minutos ao telefone. É muito papo. Atendo o Platilha ininterruptamente porque além de boa praça, é merecedor de todos créditos de paciência de um jovem como eu.
Tu bem sabes, meu amigo Alencar, afora de boa praça que ele é, também é um homem de desmesurada história na política paraense e brasileira.Em conseqüência de ser boa praça, Platilha é infinitamente jovem. Mesmo aos 74 anos. Por conta desse regozijo jovial do Platilha, o meu amigo e camarada Edson Júnior foi o idealizador duma brilhante homenagem ao nosso sociólogo cassado pelo golpe de 1964.
Por cômputo, hoje o subversivo Platilha é o mais velho (sic) Presidente de Honra da Juventude Socialista do PPS.
O camarada Edson Junior idealizou essa homenagem pela elementar pergunta: -Quem pode dizer que o nosso Platilha não é mais jovem do que nós?
Com maior número de anos no costado de vivência partidária aqui no estado do Pará, o Platilha, além de ser o mais ancestral militante, diria meu mano Flávio Lauande, é também o Presidente de Honra da Juventude Socialista do PPS pela sua perícia de decodificar que a linha divisória entre o certo e o errado não é necessariamente certo ou errado como muitos querem.
Não é para qualquer um esse atilamento! Tem que ser o Platilha! Precisa, antes de tudo, ser jovem! Tem que ser o Platilha! Tanto que ocorreu uma homenagem ao Platilha: a festa de sua posse como presidente de honra da juventude socialista do PPS/Pa. Foi uma primorosa e memorável festança na sede do meu velho Partidão.
Lá tinha para mais de 100 pessoas.
Platilha discursou, dançou e ficou muito emocionado com todas as homenagens. Todos fizeram questão de beijá-lo. Outro diapasão da homenagem foi à fila dos camaradas para pronunciar-se sobre a feição de caráter e a vida desse comunista e flamenguista.
Ele que é meu camarada e confidente. Platilha é, acima de tudo, meu amigo!
Sempre digo que quando eu tiver a idade do Platilha, se eu chegar lá, vou querer um camarada para me informar sobre as novidades do mundo, do Partidão, da política, do futebol, do socialismo...Será muita prosa.
Nesse mesmo período em que ele perdeu em pouco tempo seu filho e sua mulher, eu bebi com intensidade com meu velho novo camarada. Nos bares da nossa existência, bebíamos. Improvisávamos e falávamos. E foi muito no acalorar da criação que surgiu nosso ato de filosofar. Dialogávamos sobre tudo e todos. Entre o Dalcídio Jurandir, os bêbados, os mendigos, o Karl Marx, o Vevé do Remo, o Paysandu, os boleros, o Leonardo da Vinci, o socialismo, o Flamengo, a Bossa Nova, as zonas dos meretrícios de Belém nos anos 50, o tenentista Magalhães Barata, a pobreza, a alegria, a razão, o Jean Paul Sartre, o Caio Prado Junior, o Sérgio Buarque de Hollanda, o Gilberto Freyre, o Humberto Lopes, o José Ramos Tinhorão, o Dom Hélder Câmara, o Ruy Barata, o Jinkings, o Humberto Cunha, o Almir Gabriel, o Fernando Henrique Cardoso, as mulheres, o Noel Rosa, o Wilson Batista e, em tão alto grau, outros personagens e temas.
Nos embriagamos pelo mundo, numa abundância de histórias e estórias.
Ríamos.
E ficávamos, como ficávamos!, até pra cima das três horas da manhã. Mesmo no bate-papo aprazível, eu ficava preocupado com meu velho co-réu de noitada. Só ia embora quando o ônibus dele chegava.
No bairro de São Braz, ficávamos no ponto de ônibus do Terminal Rodoviário. Era o horário do pós-cristo das três. Mas, antes tinha a expulsadeira. Lá tinha e tem O Carimbó e o Indeá.
-Eduardo, eu ainda tenho dois reais. Vamos com mais uma gelada?
-Platilha, e o dinheiro do teu ônibus?
-Eu sou jovem, tenho 74 anos. Eu não pago passagem! Este dinheiro é da expulsadeira.
Começo a rir e passo a minha mão nos seus cabelos brancos e beijo sua cabeça.
E o Platilha devolve com uma honrosa citação: -Não há nada nesse mundo que pague nossa amizade!
E completamos pra mais de duas dezenas de geladas na mesa do bar O Carimbó. Eu já liso e leso da falta de dinheiro, Platilha já pagava com seu cheque ouro do Banco do Brasil nova conta no bar.
Tudo ao redor de muitas prostitutas, mendigos, crianças vendendo amendoim, bêbados, taxistas, garçons e um mundo de gente como manancial de alento e engenho para nossa filosofia, tudo já com uma intrépida dosagem etílica sobre a interrogação na avaliação da condição humana.
Numa dessas excursões etílicas de nossa vã filosofia, o meu amigo Platilha principiou e teorizou sobre as condições e valorizações em que se realizam as atividades laborais do homem moderno, que se caracterizam, seja onde for, por um aumento vertiginoso de exigências às suas capacidades e possibilidades físicas e intelectuais.
Isso ele mensurava como cada vez mais ordinário e positivo.
Foi quando ele completou que nem sempre os recursos que dispõe o organismo humano e a estrutura já formada das características psicológicas e sociais (pessoais) não acompanham as mudanças da revolução técnico-científica. O preconceito social sempre fica, por exemplo, atrasado em relação às mudanças da revolução técnico-científica.
Platilha com toda sua experiência falava de sua mulher que tinha câncer e seu filho que tinha AIDS. Em seguida perguntava sobre as próprias capacidades e possibilidades físicas e intelectuais do homem nas mudanças da revolução técnico-científica. Argumentava que muito se tinha evoluído nos medicamentos dessas doenças, via revolução técnico-científica. Porém, o preconceito contra essas doenças continuava. Tanto que coar os preconceitos aos psíquicos dos enfermos de sua família foi uma das suas incumbências no período doentio dos seus entes.
Isso atrofiou, em parte, o humor do meu amigo Platilha.
No momento em que falávamos sobre preconceito, olhei pro rosto do Platilha, vi que seu semblante ficava um pouco tristonho. Descrevia seu calvário diante das contradições das doenças de seus entes e as capacidades e possibilidades físicas e intelectuais do homem de não absolver doenças que tinham envoltórios de tabus.
Da sua recente experiência, Platilha comentava que as contradições das doenças que têm envoltórios de tabus, surgem e influenciam diretamente a saúde dos indivíduos, os índices quantitativos e qualitativos de incidência de doença na população, os processos demográficos, o desenvolvimento físico dos homens; e também, por preconceito, os recursos ficam mais escassos para seus tratamentos.
Para o Platilha tais contradições são estudadas por varias ciências - Sociologia, Psicologia, etc. Entretanto, o papel dominante deveria ser também desempenhado, naturalmente, pelas numerosas ciências médicas e pela mais ampla prática dos organismos da saúde pública. Mas isso não acontece com eloqüência, porque o preconceito é maior que o humanismo e solidariedade.
Dizia Platilha: -Tio Dudu, o preconceito social ainda expande a dor fisiológica do enfermo, mesmo avanços na ciência.
Nessa hora Platilha levemente chorou!
Eu, também!
Na caixa de som do Carimbó tocava nesse momento o samba do Caetano Desde que o Samba é Samba. A letra do baiano tropicalista diz: ... a tristeza é senhora/ desde que o samba é samba é assim/ a lágrima clara sobre a pele escura/ a noite e a chuva que cai lá fora/ solidão apavora, tudo demorando em ser tão ruim/ mas alguma coisa acontece no quando agora em mim/ cantando eu mando a tristeza embora...
Naquele samba do Caetano, Platilha recuperou-se.
Eu, também.
A verdade é que a batida do violão e a voz do Caetano revigorou meu filósofo e ex-funcionário da extinta SUDAM.
Platilha recorreu ao seu choro para dizer que isso está vinculado, em particular, ao crescente significado dos problemas fundamentais de natureza filosófica, ou, mais propriamente, ao sociofilosóficos, relacionados com a visão do mundo, com a saúde do homem e a diminuição e, quem sabe, a extinção do preconceito. Esses quebra-cabeças são complexos e diversificados. Não adianta tratar da AIDS e do câncer se o psíquico do enfermo é massacrado por preconceitos sociais e que conseqüentemente afetam a própria patologia principal. Do somático ao social há uma dialética da vida humana, ou seja, entre a sociedade e a saúde do homem poderia haver um respeito, que do vocábulo grego, diz Platilha, viria uma ética.
A linha do raciocínio do Platilha para o aperfeiçoamento multilateral da ética prevê o melhoramento dos níveis de vida (econômico e cultural) do povo, bem como a criação de condições adequadas ao desenvolvimento respeitoso com homem enfermo. Eis a pedra capital na abordagem da esfera decisiva da vida social na percepção do Platilha.
Neste contexto, torna-se particularmente manifesto que é precisamente o homem, o ingrediente principal, o criador da legítima robustidão motriz do progresso científico-técnico, da sua postura para com os valores morais, assim como dos requisitos da sua vida e formas de manifestação da vida social tenha uma proclamação contra uma miopia social que é o preconceito.
Ao som de Caetano, a filosofia e o choro do Platilha ficavam mais iluminados contra a miopia social do preconceito. Uma miopia social qua avançava no somático da sua mulher e do seu filho, atravessadamente pelo psíquico deles.
O lado espirituoso e hilário do campo filosófico dessa estória é que eu e o Platilha estávamos num espaço plural e respeitoso com as prostitutas, os bêbados, os mendigos e crianças vendendo amendoim e que são tão discriminados pela miopia social do preconceito.Gesticulando bem os braços, Platilha, em oposição ao preconceito, levantou-se e declamou a todos no bar: -Não serei um poeta de um tempo caduco! Viva Carlos Drumonnd de Andrade!
Eu, prostitutas, bêbados, mendigos, crianças vendendo amendoim, taxistas, garçons e um mundo de gente bebendo, no pleito duma resposta, devolvemos todos juntos: -Viva Carlos Drumonnd de Andrade!
Um mendigo, todo sujo, abraçou o Platilha e disse: -Não entendi, mas gostei!
O meu consorte de bebida já estava pra lá de emocionado com toda aquela animação pluralista do comportamento entre bebidas, filosofia, poesia e interação social que acontecia no Carimbó. E devolveu com mais uma ao público: -Sejam subversivos! Sempre na democracia!
Bateram palmas.
E surge uma prostituta na mesa: -Que lindo isso, meu velho!
Nesse exato momento, pela caixa do som do Carimbó, toca a música Ovelha Negra da Rita Lee.
-Essa música é minha cara! Diz a prostituta toda eufórica.
Platilha um pomposo galanteador, tira a menina para dançar e já batendo palmas e mexendo todo o corpo, baila no rock da pirada e incendiária Rita: ...levava uma vida sossegada/ gostava de sombra e água fresca/ meu Deus quanto tempo eu passei sem saber/ foi quando meu pai disse: filha, você é ovelha negra da família/ agora é hora de você assumir e sumir/ baby, baby, não adianta chamar/ quando alguém está perdido procurando se encontrar/ baby, baby, não vale a pena esperar, oh, não/ tire isso cabeça/ ponha o resto no lugar...
E o dia raiou.
5:54 da manhã.
Terminou a festa.
O bar Carimbó fechou suas portas.
A prostituta pagou mais dez geladas.
Platilha deu um beijo no seu rosto, agradeceu e fomos para a parada do Terminal Rodoviário.
Platilha pegou o ônibus da linha Cidade Nova-08.
Já eu, o Marambaia/Ver-o-Peso.
E a vida continuou...

A falaciosa pureza petista e o bom governo do Lula

(14 de junho de 2005 - Publicado na Lista Democracia)


Caros amigos,

Este texto[1] vem em defesa do Governo Lula e apresenta uma proposta política.

Antes, porém, analiso o magro anteparo do PT na defesa do governo Lula. Isso porque sempre observei na minha militância estudantil e partidária que o PT não sabia defender de conteúdo e forma dialógica seus governos ou suas gestões nos movimentos sociais. O PT tinha e tem quadros voluntariosos politicamente e sérios em ideais, mas como sabiam fundamentalmente só atacar, eram e continuam sendo, na sua grande maioria, anêmicos em proteger suas atitudes políticas quando são vitimados.

É impressionante como eles ficam atordoados nessas situações de acosso da oposição. Além de apresentar uma comprovada carência dialógica nos embates, os petistas são atormentados por uma patrulha ideológico oriundo dos seus passados de característica onipotente. O que dificulta tremendamente entender o que significa valorar a confabulação, por lição usual do mundo da política, com seus aliados e a oposição.

Só que esse governo Lula tem números e situações de possibilidades políticas prodigiosas. Ganha, como se diz na gíria futebolística, de goleada o governo Fernando Henrique Cardoso em qualquer área de atuação. É extraordinariamente impressionante a diferença do escore dessa goleada. Uma breve comparação. Nas áreas sociais: é muito melhor que os tucanos nem tente entrar em campo, porque vai ser vexatória a goleada.

Por que então o PT não sabe defender o governo Lula? E por que vive em crise com sua governabilidade?

É isso que vou tentar responder. Como eu bem disse: tentar!

1- A FALACIOSA PUREZA PETISTA

Queria começar pela inditosa e melancólica frase do ministro Olívio Dutra ao Jornal Nacional da TV Globo: “O PT está pagando tudo por ter más companhias”. Essa compreensão de pureza petista do ministro é que desvirtua ainda o PT a não fazer uma autocrítica de conteúdo sobre sua história.

O PT nasce da sociedade civil, através de alguns pujantes movimentos sociais. Maiormente, o sindical. Além dele, incorporam-se quadros políticos dentro de outros movimentos sociais e dirigentes já aparados e oriundos do foquismo opaco de guerrilha urbana e rural dentro das cizânias das tendências políticas que romperam com o PCB nos anos 60 e 70 para inventar uma escolha delirante e imprudente pela luta armada.

Essa dita pureza petista oriunda da sociedade civil, proclamada pelo ministro Olívio Dutra, fez com que o PT passasse ao largo de projetos nacionais de súmula acuidade para construção e constituição do Estado de Direito Democrático nos anos 80 e 90 do século passado. Seus primeiros dirigentes optaram por uma “avantesma insurrecional” (Raimundo Faoro) contra a cultura do jogo político das representações parlamentares (mesmo que legitimadas pela aprovação popular) e, assim sendo, negou-se peremptoriamente a fazer cálculos aliancistas na transição pós-1979 da ditadura ao processo de redemocratização. Exemplos não faltam. Em 1984, recusaram-se em fazer uma aliança ampla com setores descontente do PDS (antiga ARENA) e com o PMDB nas Diretas Já. Participaram negando e discriminado a participação deles. No ano seguinte, em 1985, recusou-se a participar de uma configuração política ampla com o primeiro governo civil de Tancredo e Sarney. Depois tivemos a Constituinte que quase não assina. No 2º turno de 1989 não quis o apoio de Ulisses Guimarães (PMDB) e Aureliano Chaves (PFL). Como ainda não entendia a cultura da democracia representativa, criou um medonho governo paralelo no período Collor. Em 1993, no plebiscito oportunisticamente optou pelo presidencialismo porque o Lula encontrava-se na dianteira das pesquisas para as eleições de 1994. Fez uma desmedida oposição ao Itamar e quase expulsa a Luiza Erundina. A partir de 1998, deixou seus militantes e muitos dirigentes a pregar o “Fora FHC”. E nesse ciclo todo negou a crer que uma feição aliancista seria a melhor alternativa para reconstrução do país mais reformista.

Por mais que ainda tenhamos uma crise real na democracia representativa pós-1985, por cômputo de uma ausência de uma reforma política no país, mas paralelo ao PT, tínhamos na esquerda muitos expoentes, com toda as suas complexidades e antagonismos que pautaram, mesmo nos seus vaivens da ciclotímica das representações das máquinas partidárias, muitas vicissitudes na edificação do Estado de Direito Democrático. Assim tínhamos: esquerda do PMDB, PSDB, PDT, PSB, PCB/PPS e PCdoB e que tinham na condução Mário Covas, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Fernando Henrique Cardoso, Roberto Freire, Pedro Amazonas, etc.

O que alimentava, então, essa pureza petista, caducada numa arrogância política contra a democracia representativa?

Era a sua consiste musculatura de quadros testados no mundo sindical, comunitário, estudantil, religiosos (principalmente da Teologia da Libertação) que misturado num liquidificador político era um partido da opção pela sociedade civil. Ou aquilo que Francisco Weffort quando defendeu os petistas (e quando ainda era do PT) de quadros da democracia social. E é verdade, por conseqüência, e não há como negar, como alguns querem, que o PT substitui o PCB nos movimentos sociais com o fim da ditadura militar.

Se essa aposta se apresentava como uma lógica de crescimento petista, tinha, igualmente, a perda do outro lado. PCB/PPS, por espelho, perdeu essa musculatura de quadros dos movimentos sociais e hoje vive de quadros quase de sua totalidade oriundos do ensejo matricial da democracia representativa e quase nada tem da tarimba política dos movimentos sociais (o que sempre oxigena um partido contra os mandos e desmandos do fisiologismo político). Vieram, por conseguinte, muitos quadros de base conservadora e até mesmo ultra-reacionária. E muitos deles vieram do PFL, PP, PL, PMDB e assim vai. É só observar as bancadas federal e estaduais do PPS e averiguar como é espantoso esse ingresso. Assim é também com PDT, PSB e PSDB. E ontem e hoje, esses partidos, pós-1980, ficaram e ficam na grande maioria de suas ações legitimando esse bilhete de entrada sem verificar que suas bases estão apenas limitadas ao jogo político da democracia representativa e que é atormentado pelas cláusulas de barreiras, coeficiente eleitoral e, especialmente, a concepção privada de mandatos parlamentares sem respeitabilidade ao coletivo partidário. O governador Blairo Maggi, no caso do PPS, é um arquétipo inegável disso tudo.

E é, por isso, paradoxalmente, que numa crise da democracia representativa quem vai se sobressair como melhor desenvoltura são os partidos que historicamente apostaram nessa via. Muitas das vezes apenas nessa via. Isso não quer dizer que esses partidos sejam melhores que o PT, mas eles têm canchas e tirocínios políticos em serem situação e oposição, dentro do marco democrático, em coalizões democráticas. Isso falta enormemente ao PT quando se trata em ser situação. Um exemplo simbólico disso foi a não absorção de imediato no governo Lula, já em 2003, do PMDB e, em contrapartida, o PT teve e ainda tem uma desproporcional bancada de ministério comparativamente aos seus aliados. É a verificação que ser governo para o PT ainda não é, necessariamente, ser aliancista, daí a procedência da infeliz frase do Olívio Dutra.

Em 2002, eu quando ainda era militante do PPS, defendi a aliança do Ciro Gomes com o Antônio Carlos Magalhães porque não via nada demais naquele ato do candidato presidencial do meu ex-partido. Tínhamos um projeto nacional e precisávamos criar governabilidade, logo necessitávamos de alianças. Óbvio! Lembro que na época fui cobrado (ou em muitas outras situações: patrulhado!) por camaradas do PPS e petistas. Eu dizia que tínhamos que governar pela visão societal e quem estivesse a fim de engaja-se, mesmo por outros pretextos, nessa coalizão democrática era sempre bem-vindo. E se viesse ACM e tantas outras figuras conservadoras da política brasileira que seriam também bem recebidas, porque nós deveríamos tratá-los de forma não utilitarista e sim como uma estratégia política permeada por um projeto plural e aliancista. Recordo que o conservador ACM, em 1985, entrou no projeto reformista de agenda de redemocratização deste país ao romper com o governo militar, mas setores do PMDB queriam que Tancredo Neves não aceitasse essa aliança. Tancredo foi sábio e fez aliança e foi ali que eu lembrei daquela célebre frase do imane Lênin: “Só podem recusar as alianças temporárias, mesmo com elementos inseguros, aqueles que não têm confianças em si próprios”. E era nessa possibilidade de projeto de pacto nacional que eu acreditava que Ciro Gomes teria essa segurança para sobrepujar a conjuntura de adversidades numa proposição aliancista de gerar uma concepção estratégica de reformas do estado e cunhar uma governabilidade para unicamente governar. O que é sempre uma tarefa difícil num país que os mandatos parlamentares são maiores que o devir político dos partidos.

Acontece que o afortunado PT chegou ao poder sem essa cultura de conteúdo aliancista e ganhou a eleição presidencial de 20002 pela via da democracia representativa como qualquer outro partido. As suas alianças foram feitas por necessidade e não por conteúdo político e ideológico. E hoje, esse mesmo PT, necessita de apoios políticos daqueles partidos que ele sempre historicamente execrou. O PP de Maluf é um grande exemplar dessa ocorrência. Como não tem cultura e experiência de conteúdo político e ideológico nessa via, trata com arrogância, desprezo e um grandioso hegemonismo (diferentemente da formação da idéia de hegemonia gramsciana) que posterga e atropela os aliados. Ao contrário do que apregoa Lênin, essa arrogância, desprezo e hegemonismo com seus aliados é a prova plena que parte da direção petista e substancialmente seus militantes de base “não têm confianças em si próprios” e, conseqüentemente, tratam seus aliados de forma utilitarista.

Mesmo com essas adversidades, o PT é algo bem-sucedido na história do Brasil, todavia meu mestre Marco Aurélio Nogueira avisa-nos: “o problema é que, como todo empreendimento bem-sucedido, o PT também está obrigado a dialogar consigo próprio e a entrar em contato com temas e desafios que não são originariamente seus e não são facilmente assimiláveis por sua cultura como organização. Entrelaçando-se com o governo passou, por exemplo, a ter de lidar com as taras e tentações do poder, a se ver magnetizado por ele para não deixar enrolar por ele”.
E é inequívoco que o ponto nevrálgico petista reside aí: porque para não deixar de ser enrolado ou magnetizado pelo poder, o PT não optou incessantemente em dialogar como o PSDB. O percurso de diálogo com o PSDB era e é mais extenso e difuso por conta das querelas e das controvérsias de disputa de governo, entretanto seria e é mais duradoura porque o PSDB é um aliado natural e histórico nas ações de ideais e de estado dentro das identidades de esquerda e de matriz social-democrata. Não há comparação entre Tasso Jereissati e Severino Cavalcanti, só que o governo Lula não poderia fazer e faz o mesmo que o governo FHC fez com o PT: isolar um aliado histórico por questões de governo e opta por aliados de apenas envergadura fisiológica.

Falta ao PSDB e ao PT aquilo que o sempre atinado Afonso Arinos celebrava: a magistratura política. O adequado governo de FHC não optou pelo caminho mais longo e foi dominado integramente pelo fisiologismo e assim caminha pela humanidade fisiológica os petistas. É claro que FHC e Lula são homens de esquerda, mas essa opção como centralidade não ajuda pedagogicamente uma magistratura política de cunho lógico e coerente com os seus passados e os preceitos democráticos que tanto a infante democracia brasileira requer. Sei que não é simples ausentar-se das conjunções fisiológicas, mas é apropriado e aconselhável começar a sair paulatinamente desse percurso porque em longo prazo elas aniquilam a democracia.

Neste sentido, por mais que ele esteja fazendo um bom e afiançado governo, o presidente Lula tem que abancar e aprender que o procedimento de governabilidade começa pelo diálogo e que é algo mais implexo e alongado. E começar a conversar com as análises e as reflexões dos aliados e da oposição, entre seus cálculos e as táticas/estratégias, e que isso pode e vai permear e aperfeiçoar a nossa democracia para criarmos uma agenda de Pacto Nacional pelas Reformas do Estado e aumentar o grau de estabilidade da agenda da governabilidade do país. O que permitirá exercer com mais tranquilidade essa forma bastante específica e complexa do poder presidencialista e progredir ainda mais o bom governo que ele já faz.

Como não criou essas agendas diferenciadas, o governo Lula mostrou-se, neste período de dois anos, uma arrogância que freqüentemente não respeitava a oposição no Congresso Nacional e apostou no fisiologismo e adotou uma estratégia próxima de um absolutismo da maioria pela base do fisiologismo. Aí é claro que o governo Lula não contou no Parlamento com a colaboração institucional da oposição para agendar, com celeridade, nem as Reformas do Estado e outros projetos que considerava fundamental. É bem verdade também que não havia uma predisposição da oposição em fazer e buscar um bom senso dialógico pelas causas nacionais, no sentido de criar e furar essa visão isolacionista do governo. O que tivemos foi o aprofundamento da Lei de Newton. E se a cada ação tínhamos reações díspares, quem mais perdia era e é o governo Lula. Se tivéssemos uma disponibilidade para uma agenda do Pacto Nacional em torno de questões decisivas de estado, de modo a criar um clima para uma outra agenda de governabilidade, com bases sociais e políticas de apoio tão alargadas, estaríamos todos nós comemorando ainda mais uma probabilidade de um Brasil com dilatadas condições futuras de desenvolvimento econômico, social e político.

2- O BOM GOVERNO DO LULA.

Agora imaginem se esse governo Lula tivesse uma agenda mínima das Reformas do Estado em conversação pactuada com os aliados e a oposição? Pois é, mesmo não tendo, tem-se um paradoxo nessa história: o governo Lula é de esquerda e faz o melhor governo desde Juscelino Kubitschek.

Começo escrevendo sobre a adequada condução de arrojo da economia brasileira porque o governo Lula deu e continua dando credibilidade econômica ao país. Essa posição válida e ajustada faz com que haja uma sustentabilidade econômica e um equilíbrio das contas públicas e assim o governo apodera-se do crédito da sociedade brasileira e mundial. Isto porque a durabilidade macroeconômica deve ser eficaz e constitutiva. Sem essa durabilidade macroeconômica torna-se hipotético o desenvolvimento em longo prazo e muito menos a inclusão social. Recentemente escrevi que por ser de esquerda, esse governo tem e está tendo responsabilidade histórica com a sociedade. E não podemos ficar à mercê dos populismos, das demagogias e das invenções metafísicas de que podemos mudar a economia com uma varinha de condão. Avalio e sempre avaliei, resgatando o velho Marx, que nosso regime monetário dentro da construção globalizada da economia só pode ser sólido com bons alicerces ou fundamentos. Sem tranqüilidade, por exemplar, com as contas públicas e o regime fiscal, perde-se a capacidade de manejo das taxas de juros. Desse modo, não há política monetária sem esses requisitos porque, por seu turno, ficam continuamente ameaçadas pela possibilidade de saída de capital e a volta da inflação. É claro que todos esses itens também são necessários - embora não totalmente suficientes - para que a estabilidade macroeconômica se desdobre e se reforce com o crescimento econômico sustentado. Assim penso que na impossibilidade de reduzir a taxa básica de juros e a carga fiscal, temos que avançar paralelamente. Digo avançar paralelamente! E não tentar derrubar atual política econômica do Banco Central. Conseqüentemente vejo que tanto o Banco Central, quanto o Pallocci, estão insistindo no possível do adequado e futuramente afiançado, porque é essencial para evitar que o crescimento seja desordenado e comprometa a solidez macroeconômica. Porque não há nada pior para o mundo do trabalho e a população em geral, além da falta de trabalho, do que a inflação. Isso é o bê-á-bá da obviedade econômica. Isto é, quem perde com a inflação são os pobres.

Tanto que hoje, segundo o IBGE, em pouco mais de dois anos foram criados mais de 2,7 milhões de empregos com carteira assinada. Somados os postos de trabalho informal, são 04 milhões de novos empregos. É o melhor desempenho desde 1992, ou seja, a média mensal de geração de empregos já é 12 vezes maior que nos últimos 04 anos do governo anterior. Chegou a 127 mil postos de trabalho por mês nos primeiros quatro meses de 2005, enquanto de 2000 a 2002 foram criados apenas 08 mil empregos por mês em média. Também por conta dessa sustentabilidade econômica o salário-mínimo, no governo Lula, segundo o IBGE, aumentou cerca de 50%, entre 2003 e 2005, o que significa dizer que é um aumento acima da inflação, com ganho real de 12%.

Reitero que nessa sustentabilidade econômica, esse governo Lula, nos últimos dois anos, novamente segundo o IBGE, fez investimentos sociais diretos que aumentaram expressivamente e já correspondem a 14,2% do PIB. Nos dois primeiros anos deste governo foram investidos R$ 463,9 bilhões. Isso corresponde a R$ 119,63 milhões a mais que nos 04 últimos anos do governo passado. Ressalto que entre março de 2004 e fevereiro de 2005 as exportações brasileiras ultrapassaram a marca dos US$ 100 bilhões, um recorde histórico para o país que gera hoje mais renda e empregos. Ou seja, com essas medidas de sustentabilidade econômicas prepararam o Brasil para o maior crescimento ordenado dos últimos 30 anos.

Ora, com a interligação da possibilidade de um crescimento econômico sustentável, o governo Lula tem apostado em políticas compensatórias de grande valia numa sociedade que historicamente o Estado foi privatizado pelas elites. Hoje posso dizer que o governo Lula vem melhorando substancialmente os programas sociais já existentes no governo FHC e criando novos. Julgo até que mudaram para melhor e mostra a opção clara do governo Lula pela cidadania do mais pobres e excluídos. Lembro que a política compensatória não resolve os grandes problemas nacionais, mas ele ajuda quem precisa de forma emergencial, ao mesmo tempo em que dá condições para melhorar a vida das pessoas com programas inovadores, em maior escala e voltado principalmente para aqueles que mais necessitam.

Vou citar apenas 05 áreas. Digo apenas essas 05 áreas para não gerar muito vexame ao bom governo de FHC.

Primeira. Vejamos na área da educação. Em 2003, o governo Lula criou um programa belíssimo: Brasil Alfabetizado, que já tem investimentos na ordem R$ 807 milhões destinados à Educação de Jovens e Adultos. São R$ 316 milhões a mais numa comparação com o governo do FHC, que gastou apenas R$ 491 milhões nos dois últimos anos. Outro dado impressionante é que o governo Lula contabilizou apenas em 2004 com o atendimento de mais de 1,8 milhão de estudantes em 2.089 municípios, enquanto que no período FHC atendeu 1,2 milhão de pessoas em 1.772 municípios em 08 anos de governo. Além de criar prodigioso FUNDEB, na comparação com o FUNDEF, o governo Lula ganha de goleada porque, entre 2003 e 2005, teve um crescimento real de 20,1% e já agora em 2005, os recursos destinados ao FUNDEF tiveram aumento de 9,9%, em compensação, durante o governo FHC, houve uma queda de 2% entre 1997 e 2002. Sistema público de ensino superior federal incorpora em média 122 mil novos alunos a cada ano. O governo Lula, em apenas um ano, incorporou para além deste número, 120 mil novas vagas, sendo 70% delas inteiramente gratuitas e 30% de bolsas parciais para atender a população de baixa renda.

Segunda. Na área da saúde o que impressiona são os números. Vejamos. Em 2 anos de governo Lula ganha dos últimos 05 anos do governo FHC em relação aos recursos destinados à atenção básica na saúde: R$ 3,15 bilhões entre 1998 e 2002, contra R$ 3,65 bilhões em 2003 e 2004. Outro dado que eu retirei do site do Ministério da Saúde: “Em 2002, os investimentos isolados do governo FHC em saúde bucal foram de R$ 56,5 milhões. No primeiro ano do governo Lula os recursos foram ampliados para R$ 84,5 milhões e em 2004 o repasse ultrapassou os R$ 132 milhões”. Além do mais, o governo Lula majorou em 44% os recursos para o fornecimento de remédios gratuitos para a população brasileira. Isso equivale a 123% comparativamente ao governo FHC.Em 2002, no governo FHC, foram destinados R$ 2,4 bilhões, no primeiro ano de gestão petista os recursos foram de R$ 2,8 bilhões e, em 2004, o repasse chegou a R$ 3,5 bilhões. Além do mais, o governo Lula tem investido em saúde preventiva de forma mais planejada em relação ao governo anterior.

Terceira. Outra área que Lula ganha de goleada de FHC é no saneamento básico. Com os números na mão, observa-se que é desmedida a comparação. A esfera das rubricas de saneamento básico recebeu verbas totais de R$ 5,1 bilhões entre 2003 e 2004, um pulo de 112% em relação aos gastos do governo anterior no biênio 2001/2002. Convenhamos, é goleada de 10 a 0, no mínimo. Eu lembro que nesse quesito, tem-se um aditivo ainda favorável ao governo Lula: cada real investido em saneamento representa uma economia de R$ 04 reais com os gastos em saúde, de acordo com OMS.

Quarta. Na habitação, o governo Lula cria uma forma operacional sincronizada com instituições financeiras ainda não vista neste país. Por isso que já investiu R$ 11 bilhões em moradia, beneficiando 690 mil famílias. Segundo a Caixa Econômica Federal a média anual de investimento é 28% superior à do governo anterior. Novamente goleada. E só em 2004 cresceu 5,7% e gerou 51 mil novos empregos diretos e formais.

Quinta. Com a possibilidade de um crescimento econômico sustentável, uma outra área que ganha de goleada em relação ao governo anterior é a da agricultura. Nunca vi um governo investir tanto na agricultura de forma quantitativa e qualitativa como esse do governo Lula. Os números são impressionantes. Na agricultura familiar temos um recorde: 7,1 bilhões reais. O investimento do PRONAF em 2004 foi de R$ 5,6 bilhões, beneficiando 1,57 milhão de famílias. Este montante é 47% superior a 2003 e 133% maior do que em 2002. No sentido qualitativo, pela primeira vez vejo um ministro da agricultura pensar no que vai projetar em 30 anos em agricultura familiar, sem com isso abandonar magnitude do agronegócio (que colecionou recordes no último ano, com exportações de US$ 39 bilhões, ou 57% acima dos resultados de 2002).

Lembro aqui faltou ainda citar a Bolsa Família: que nós não podemos deixar de relevar que já são atendidas 6,7 milhões de famílias e hoje se encontra em 99,5% das cidades brasileiras. Faltou citar universalização do acesso à energia elétrica no país através do programa Luz para Todos, que levará eletricidade para 12 milhões de brasileiros até 2008. Faltou citar Um dos maiores projetos de desenvolvimento deste país que é a integração do rio São Francisco que vai atender 12 milhões de habitantes do Polígono da Seca e que desfrutarão de água potável para consumo, pecuária e irrigação, além do projeto ser ambientalmente ser correto. Faltou citar que eu nunca vi um governo atuar tanto contra corrupção como esse governo Lula. A ação ativa e inalterável contra a corrupção e a austeridade no domínio dos gastos públicos são duas marcas efetivas desse governo, pois lembro que desde o começo do governo, os órgãos de fiscalização e mando vêm atuando de feitio articulado, tornando mais essencial e competente a precaução e o combate à corrupção, porque nunca vi um governo fazer tantas operações conjuntas em forças-tarefa, empenhando órgãos como a CGU, Polícia Federal, Ministérios Públicos da União e dos Estados, INSS e com implicações muito positivas na luta às falcatruas e na repreensão de seus autores. Faltou citar ainda que de forma planejada o governo Lula já se lança e se incrementa nas Parcerias Público-Privadas mirando as confluências com empreendedores privados pautadas, sobretudo, nas infra-estruturas para corredores de exportação e que futuramente eliminaram gargalos logísticos.

3-GOVERNO LULA E A SAÍDA POLÍTICA

Um dos efeitos imediatos constatados nos primeiros dias da crise gerada pelas denúncias de corrupção foi a oscilação dos indicadores do mercado, com a queda dos índices da Bovespa, valorização do dólar e elevação do risco-país. Essa reação instantânea, claro que previsível, dado o funcionamento desses mercados sensíveis, deixa entrever o potencial de riscos que a instabilidade política carrega. É dever do governo e da oposição impedir que os efeitos de uma situação política conturbada se estendam negativamente a outros setores da sociedade, em especial à economia. Neste momento o que é importante para nossa sociedade é o que eu chamaria de governabilidade societal. Nela teríamos uma proposta de Pacto Nacional de governabilidade diante da premência das agendas de Estado e de Governo.

Um exemplo é a reforma política. Este é o momento. Ela deveria fazer parte da Agenda de Estado, como as outras reformas do estado: tributária, da previdência, trabalhista, etc... O governo Lula com sua magistratura política, proveniente da sua autoridade das urnas, deveria começar logo com o ponta pé inicial ao buscar aliados de tudo que é lado e de cores ideológicas.

Urge, assim, governo e oposição, procurar consensos amplos no parlamento para que algumas das áreas mais sensíveis do governo dessem ao país mais sinais de mobilização para responder as difíceis exigências conjunturais e estruturais da atual crise de governabilidade. Especialmente quando estão em causa valores fundamentais como os do respeito pela Constituição, pelas normas democráticas e a estabilidade econômica. Como o presidente Lula é o chefe do executivo desta Nação deveria criar um ambiente de diálogo, pois esse é o mais apropriado momento que o PT e o PSDB, entre outros e principais atores, poderiam e deveriam sentar pra começar conversar sem rancores e fazer uma monumental agenda política para o país.

Eis a boa saída para crise de governabilidade que se avizinha.

Eduardo Lauande.
[1] Na confecção deste texto visitei 15 sites do governo federal.

A Demência do terrorismo

(26 de julho de 2005 -Publicado na Lista Democracia)

Caros amigos,

1-Sou de um tempo em que os comunistas pregavam a paz como bandeira internacional e por isso tenho, mais do que nunca, a convicção que a própria paz e a democracia são os melhores caminhos para condição humana. São patrimônios universais!.

2-Escrevo isto ainda porque estou estarrecido com a afirmação que li ontem na Folha de São Paulo do comissário-chefe da Polícia de Londres, Ian Blair, de que a Grã-Bretanha vai manter a política do "atirar para matar", como ocorreu com o brasileiro Jean Charles de Menezes, morto ao ser confundido com um terrorista, é ao mesmo tempo chocante e atemorizadora.

3-Um absurdo essa declaração!!!

4-Penso que de um lado, era inevitável que as duas investidas do terrorismo registradas só neste mês na capital britânica levariam ao recrudescimento da repressão. De outro, me preocupa que alguém possa se tornar suspeito simplesmente pela sua condição de estrangeiro, correndo o risco até mesmo de morrer por isso, como foi o caso do brasileiro.

5- Fiquei mais pasmo como justificou a autoridade policial inglesa, em circunstâncias ainda obscuras como as que levaram o brasileiro a levar oito tiros: "não faz sentido atirar no peito, porque é lá que vai estar a bomba". Ou seja, pelo raciocínio dele o único jeito seria "atirar na cabeça".

6-Fiquei triste, muito triste, com essa declaração porque não ajuda o processo de construção democrática e de paz da condição humana.

7-Julgo que essa alternativa, chocante para defensores dos direitos humanos e particularmente para brasileiros impressionados com o fim trágico do jovem que foi tentar uma oportunidade no Exterior, não é vista como inevitável apenas no meio oficial. Li que até mesmo o influente jornal The Times advertiu em editorial que, infelizmente, "a política de atirar para matar é, agora, inevitável". O periódico admite que a comunidade está certa em cobrar explicações da polícia pela morte. No trato com extremistas suicidas, porém, o periódico sugere erroneamente que "os procedimentos normais não se aplicam nesses caso", o que constitui motivos para preocupações particularmente entre nós estrangeiros.

8-Aí vejo que ao se valer da irracionalidade de qualquer ordem para instalar o medo e dizimar inocentes, o terrorismo se encarrega também de dar margem a contra-reações que acabam gerando outras vítimas em potencial.

9-Li ontem no jornal O Liberal (Belém/Pa) que só em Londres, há no mínimo 100 mil brasileiros em busca de uma oportunidade de estudo ou de trabalho, muitos deles na ilegalidade. Assim como ocorreu nos Estados Unidos, o ingresso e a permanência de imigrantes tendem a ser cada vez mais dificultados na Grã-Bretanha a partir de agora.

10-Mas não teve jeito e eu tiro uma conclusão: o Brasil, mesmo sem qualquer ligação com o terrorismo, transformou-se em vítima dessas restrições de forma trágica.

11-Concluo, caros amigos, que é deplorável que, diante das facilidades de aproximação entre os povos geradas pelos avanços da tecnologia, o mundo tenda a se mostrar cada vez mais compartimentado por conta da insanidade do terrorismo e acredito que a humanidade precisa encontrar formas de lutar contra o terrorismo com o mínimo de prejuízos à liberdade e a outros direitos fundamentais conquistados tão arduamente pela condição humana.

Aquele abraço,
Lauande.

Jamais José Saramago poderia ser torcedor do meu Paysandu

(14 de novembro de 2005 - Publicado na Lista Democracia)

Caros amigos,

1-Ao contrário do genial José Saramago, sou otimista com “as alamedas e as avenidas” da democracia no planeta. Entendo que mesmo com todos os percalços que nós vivemos no mundo da política mundial, vejo que muitos países até já encontraram prumos mais consolidados na construção democrática. O Brasil é um exemplo. O Relatório Internacional da ONU, de 2004, sintetiza, muito bem, os admiráveis avanços dentro do marco da construção do Estado Democrático de Direito no mundo todo.

2-Nunca esqueço de uma frase do meu amigo, sociólogo e camarada José Maria Platilha: “Ser subversivo é apostar na democracia como valor universal”. Platilha dizia que não há nada entre a condição humana mais meritória que a busca da construção democrática porque ela subverte a ordem dos golpistas e reacionários e por acabamento, Platilha ficava mais bem-aventurado em saber que a construção do Estado Democrático de Direito era um patrimônio da humanidade.

3-Quando Platilha articulava essas suas teses, eu arquitetava uma conjuntura política: é que na democracia algumas palavras tornam-se, pelo uso constante e recorrente, terminologias insubstituíveis para exprimir tudo e nada ao mesmo tempo. Essa dualidade entre o tudo e o nada, pode criar, paradoxalmente, um pessimismo e/ou otimismo.

4- Então, qual seria a palavra? Ou as palavras? Por que pergunto isso?

5-Por que ainda, em outra situação: o mundo está cuspindo fogo, com disse Saramago, e nós, seus ocupantes e em parte predadores, estamos perdendo a resistência democrática? Com isso, seria o anúncio político irreprochável do veredicto pessimista de Saramago?

6-A priori julgo que não.

7-Ao mesmo tempo, eu tenho que aceitar, mesmo com avanços democráticos mundiais, que “as sensibilidades machucadas” podem afetar nossas relações de forma muito mais grave em futuro muito curto. Aí surge outra indagação, no pessimismo clássico do José Saramago: de certa forma, o capitalismo já está esculpindo um ser humano menos humano?

8-Eu respondo ao Saramago com o Marx e o Engels. No Manifesto do Partido Comunista, os dois admitiram, em 1848!, que o capitalismo revolucionou a humanidade e avançou em 100 anos aquilo que em mais de 1000 anos a humanidade não tinha conseguido em todas as áreas societárias. Isso que dizer que Marx era otimista com o capitalismo? Não necessariamente. Mas ao mesmo tempo desejava sua ultrapassagem e não destruição (como queria e querem certos leninistas), porque via formas extraordinárias de edificação societária para condição humana dentro do próprio capitalismo.

9-Neste sentido, eu julgo que o “merecimento do mérito” não é por culpa exclusiva do capitalismo, porque temos questões societárias que perpassam o próprio capitalismo e que alcançam outras questões até mais societárias.

10-Mas por que Saramago é tão pessimista assim? Se formos observar, há também na ilharga dos avanços democráticos, enormes retrocessos no contexto do mundo da política mundial. Saramago indaga, nesses enormes retrocessos, três problemáticas cruciais para sobrevivência democrática: sobre as guerras; o papel hegemônico na geopolítica mundial dos EUA; a fome e a pobreza que ainda assolam o nosso planeta.

11-São indagações pertinentes que confesso que fico um tanto, em muitos momentos, aturdido. Isso não quer dizer, ao contrário de Saramago, que eu não seja um sujeito otimista. Sim, mil vezes sim: sou otimista.

12-Mas tenho que ficar alerta, como quer Saramago, porque eu vejo também um tipo de condição humana com mais freqüência célere que ataca e agride em obediência ao instinto de sobrevivência, justamente para se defender desse quase invencível cipoal de violência. O que já no século 18, escrevia o pensador Hobbes: "Homo homini lupus" (o homem é o lobo do homem).

13-É! Então, o que não escreveriam hoje os pensadores do Iluminismo? Pois é!

14-Entretanto, não quero cair no determinismo histórico do axioma o homem é o lobo do homem, até porque diante de Saramago e Hobbes, surgem outras indagações: parece não existir lugar ou tempo para o homem sereno, aquele que é o contrário do homem arrogante? O homem sereno é uma raridade? Daqui a pouco uma impossibilidade?

15-Norberto Bobbio, o grande pensador político italiano do século 20 (ao lado de Antônio Gramsci), escreveu um esplêndido livro - "Elogio da Serenidade" -, justamente para mostrar que ela, a serenidade, é a "mais política das virtudes". E para mostrar, de resto, que a sociedade moderna precisa de "cidadãos virtuosamente democráticos". De homens comprometidos "com o combate a toda forma de preconceito e com a prática cotidiana da tolerância".

16-Se nós precisamos de cidadãos virtuosamente democráticos, precisamos aumentar, assim sendo, nossa capacidade de intervenção na democracia?

17-Sim. Como comunista, acredito que é na aptidão democrática que nós podemos cultivar nossas vistas utópicas de um mundo melhor e ajudar a criar otimismos.

18-E ao cultivar nossas vistas utópicas é voltar em Raimundo Faoro na controvérsia brasileira. Ele dizia que depois da Constituição de 1988, uma palavra chave que pudesse avançar a democracia seria compreender e empreender a “cidadania em futuros mais otimistas”.

19-Faoro opinava que vivemos repetindo: Direitos de cidadãos! Praticar cidadania! Formar cidadãos! Mas muitas vezes não sabemos, ou melhor, não queremos nos apropriar desses termos para repensarmos nossa vida cotidiana, nossos atos e os dos outros.

20-Assim cidadãos virtuosamente democráticos numa cultura como a nossa permeada com o jeitinho brasileiro da linhagem antropológica da Lei de Gérson não é simplificado em fazer rupturas. Eu lembro que quando o Caetano Veloso, em 1972, no Teatro Castro Alves disse que infringir um sinal vermelho era um ato desrespeitoso contra a condição humana, foi vaiado pela platéia. Caetano, mesmo vaiado, perguntava, além disso: tem ato mais humano que respeitar o outro?

21-Nunca esqueci dessa cena e lembrei que julgar atos alheios de maneira arbitrária, discriminar o outro pela falta de "grife" ou pela pronúncia errada, exilar-se no momento da decisão coletiva, eximir-se frente ao racismo ou diminuir a gravidade do ato ilícito praticado porque afinal todo o mundo faz e entre outras ocorrências alheias com a órbita da cidadania, são situações que muitas vezes não são bem entendidas e gera um pessimismo em muitos que combatem esses tipos de anti-cidadania, como é o caso da postura do comunista Saramago.

22-Enfim, podemos apontar inúmeros gestos cotidianos que no conjunto se constituem num mosaico de ações que parecem ser isoladas, mas que sinalizam o quanto a cidadania precisa ser revisitada na prática e nas teorias que a sustentam. Acontece que mesmo com tais adversidades, no Brasil, podemos dizer que temos avançado substancialmente.

23-Esse meu otimismo decorre porque penso que a cidadania é um conceito construído historicamente. Desde os gregos, o termo tem adquirido significado diversificado de acordo com as experiências sociais. Na modernidade, o trabalho clássico de T. H. Marshall ("Cidadania, Classe Social e Status"), elucida o desenvolvimento dos direitos que compõem a cidadania na democracia ocidental: os civis, políticos e sociais. A ligação desses três direitos, em que a busca de um leva à conquista do outro, fundamenta a estabilidade do regime democrático. Na Inglaterra, esses direitos surgiram seqüencialmente durante os séculos 18, 19 e 20.

24-Sinteticamente, eu poderia dizer que em primeiro lugar vieram os direitos civis, que englobam os relacionados à liberdade individual e ao direito à propriedade, inclusive sobre si mesmo, além dos direitos de ir e vir e o de livre expressão. Cito outra vez o Relatório Internacional da ONU, do ano passado, que fez um levantamento e mostrou que esses avanços foram maiores que os retrocessos no que tange aos direitos civis.

25-De posse dos direitos civis, foram reivindicados os direitos políticos, ou seja, os que englobam a prática de representar e ser representado politicamente e o de votar e ser votado. Finalmente, conquistados os direitos políticos, avançou-se para a conquista dos sociais, os quais ligam-se aos meios vitais do humano, como o direito à habitação, saúde e educação, sobre os quais o Estado e a sociedade civil devem agir.

26-Só que no Brasil há muitos entraves que podem até diminuir o otimismo sobre a dinâmica e execução desses direitos. Se olharmos pelo prisma somente do pessimismo, nós podemos dizer que esses direitos não se constituíram nesta ordem e nas mesmas bases que na sociedade inglesa. Lembremos nosso passado escravista, como bem advertia Sérgio Buarque de Hollanda. Pior, aqui parecia que os direitos eram entendidos como concessões diante das condições extremamente desiguais - não apenas do ponto de vista econômico, mas e principalmente educacional (instrumento básico da cidadania) -, sob as quais os brasileiros viveram esses 116 anos de República.

27- Outro entrave. Igualmente Raimundo Faoro colocava que nossa cultura cívica carece da percepção sobre a fronteira entre o público e o privado. Essa afirmação, dita tantas vezes sob outras palavras por nossos cientistas sociais, é de uma atualidade ainda aterradora, pois como sempre o público é encarado ou como simples extensão do privado (nos momentos de usufruto) ou, então, como o espaço de "ninguém" (nos momentos de cuidar e manter).

28-E mais um entrave: pelo fato de não ser vista como o social compartilhado, a noção de direitos é dissociada da de deveres. É por isso que nessa geléia geral a cidadania emerge como recurso lingüístico figurativo de tudo e de nada.

29-Na condição de professor, penso que no processo pedagógico está o desafio: como a educação poderá garantir que nos consideremos todos iguais e não alguns "mais iguais" que o resto? Qual cidadania queremos e podemos construir neste século 21? Como reinventar as nossas relações no espaço público?

30-Isso implica encarar a formação do ser humano como o desenvolvimento de suas potencialidades de conhecimento, julgamento e escolha, mas principalmente como possibilidade de conservar ou ultrapassar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas.

31-Aí eu sou mais otimista porque se observamos o que o mundo tem feito dentro do marco democrático, eu posso compreender que temos avançado, não necessariamente em passos largos, mas temos avançado e isso me faz se um sujeito mais otimista.

27-Tão otimista que podemos caminhar e alcançar um novo Renascimento. Por que não? Um Renascimento que recupere o homem sereno. O cidadão ético, o homem generoso, tolerante, que tenha na virtude e na compaixão valores reais de bem viver. E conviver.

28-O que me faz contradizer Saramago com seu pessimismo. Isto também me faz dizer que jamais Saramago poderia ser torcedor do meu Paysandu, que é sempre um sujeito por excelência inata: otimista.

Aquele abraço,
Lauande.

AIDS

(28 de novembro de 2005 - Publicado na Lista Democracia)

Querida Alyda e demais amigas e amigos,

1-Em 1990 eu vi pela primeira vez um aidético. Ele era meu amigo, foi militante de esquerda e do movimento estudantil, poeta, professor e homossexual assumido. Eu e a minha companheira Débora sempre dizíamos que ele foi nosso cupido de namoro e casamento, porque ele nos ajudou muito.

2-Quando eu e a Débora soubemos de sua doença, ficamos muito deprimidos. Não era fácil (com ainda hoje não é simplificado) imaginar que essa enfermidade passa do curso patológico e adentra no trajeto da moral de uma sociedade conservadora.

3-Quase 14 horas de um sábado de julho. Verão. Cheguei no Hospital Universitário Barros Barreto (UFPA/Belém), muito nervoso. Muito nervoso. Cheguei até o quarto andar. E de longe percebi o meu amigo Beltrano (vou chamá-lo neste artigo deste modo) deitado sem nenhuma visita. Abracei-o. Beltrano caiu no pranto. Eu igualmente chorei.

4-Eu era o primeiro visitante, fora os seus parentes, a visitá-lo. Vi de imediato seu rosto e seu corpo que já estava combalido pela magreza. Tentei (e como tentei!) consolá-lo, porém Beltrano só falava na morte.

5-Nesse momento comecei a presenteá-lo. Tirei da minha sacola algumas maças, um creme de bacuri, uma camiseta do nosso Paysandu e dois livros de Pablo Neruda: CONFESSO QUE VIVI e OS VERSOS DO CAPITÃO. Conversei com Beltrano quase três horas. Foi uma tarde de reminiscências. Adorável. Voltei novamente a visitá-lo umas 6 vezes até antes dele morrer.

6-E nas minhas conversas com Beltrano, eu pensava na época, quando nós vamos superar os preconceitos contra os aidéticos? Quando vamos avançar em políticas contra essa doença? Quando a ciência vai nos ajudar acabar ou diminuir substancialmente os perigos da AIDS?

7-Eram indagações de uma pessoa que em 1990 tinha um amigo aidético e que em dezembro de 1991, faleceu.

8-E de lá pra cá e eu tenho estudado muito a questão da AIDS. Uma das minhas fontes de leituras são os Relatórios da ONU.

9-Semana passada saiu o mais recente relatório e mostra que o número de pessoas infectadas com o vírus HIV dobrou em todo o planeta ao longo dos últimos dez anos. Hoje, as pessoas portadoras do vírus ultrapassam os 40 milhões, dos quais 5 milhões só em 2005. A Aids já matou mais de 25 milhões de pessoas. A maior incidência da doença continua se registrando na Ásia, África e Leste europeu, onde cresceu cerca de 25 vezes.
10-No Brasil, que desenvolve um dos melhores programas de combate à doença, reconhecido até pela ONU, a Aids tende a se estabilizar, mas está longe ainda do efetivo controle.

11-A doença continua se alastrando em mulheres, na faixa dos 25 a 40 anos, infectadas muitas vezes pelos próprios maridos, que contraem o vírus em relações extraconjugais. O relatório da Organização das Nações Unidas destaca também a mudança de comportamento dos jovens brasileiros, que estão iniciando a vida sexual mais cedo, mas tendem a usar preservativos em suas relações.
12-Enquanto no Brasil existem políticas públicas de combate à doença e de ampla disseminação de informação, alertando a população sobre os riscos de contrair o vírus da Aids, nos Estados Unidos a política oficial é a de abstinência.

13-Um absurdo isso!

14-Eu lembro que os EUA foram duramente criticados no relatório sobre a Aids da ONU, que textualmente observa: "É muito mais do que ineficaz. É um desserviço no controle da doença, descolado de qualquer critério científico". Eu lembro também que na América, as igrejas em geral "satanizam" os preservativos, diz o relatório da ONU.
15-Só que a ONU, no seu documento enfatiza: "A abstinência é segura, mas não é factível. Exemplos dentro da própria Igreja mostram isso. Se entre grupos motivados já é difícil, imagine entre adolescentes, e ainda mais se perde a perspectiva saudável da sexualidade humana".

16-Corretíssima a postura da ONU ao contrapor as teses das Igrejas norte-americanas e da Igreja Católica.

17-Julgo outro ponto importante é que o relatório sobre a Aids no mundo recomenda aos países seguirem o exemplo do Brasil e a se recusarem a receber recursos de órgãos que exigem o vínculo do dinheiro de prevenção a políticas específicas. O Brasil, por exemplo, recusou dinheiro de financiamento de órgão americano, a USAID, porque a entidade exigia, em troca, que as organizações beneficiadas não apoiassem a legalização da atividade das profissionais do sexo.
18-É perfeita a postura do governo brasileiro que hoje é uma abono de exemplo nessa questão da AIDS. Aliás, essa política já vem sendo defendida desde governo FHC, com ativa participação e idealização do ex-ministro José Serra.

19-Entretanto, vi com certa triste alguns dados no relatório. Segundo levantamento de órgãos da ONU, o planeta precisa aplicar, em 2006, US$ 8,6 bilhões e, em 2007, US$ 10 bilhões para o fortalecimento dos programas de prevenção e tratamento da doença.

20-Sem esse dinheiro não vier teremos ainda mais adversidades, porque na África, por exemplo, apenas 10% da população contaminada tem acesso aos remédios. Na Ásia, essa taxa sobe para 15% dos infectados.

21- E aqui nem contei e/ou analisei a trajetória preconceituosa que arrosta os aidéticos. Portanto, a pior doença do século, portanto, precisa de muito dinheiro e de muita atenção das autoridades governamentais, na medida em que a epidemia de AIDS continua batendo recordes ano a ano, numa expansão que chega a contaminar milhões de pessoas em todo o planeta.

Aquele abraço,
Lauande.

A Revista Veja e o Palocci

(21 de novembro de 2005 - Publicado na Lista Democracia)


Caros amigos,

1-Eu leio a Revista Veja. Desde adolescente. E talvez por isso nunca fui daqueles de excluir o desempenho da Editora Abril Cultural na história deste país. Assim também foi e é o Jornal “Estado de São Paulo” no mesmo naipe de relevo na minha vida de leitor. Tanto que faço questão de dizer que leio os editoriais do “Estadão”.

2-Eu sei que tanto a Revista Veja quanto o Estadão nunca foram paradigmas de algum apotegma de esquerda. Nunca foram. Mas eu os leio porque julgo imperioso entendê-los. E sem patrulhá-los! Aprendi isso com o sábio Karl Marx. É que Eric Hobsbawn avisa-nos que Marx leu e debateu com mais 500 autores de todas correntes políticas pra elaborar o seu grande livro O CAPITAL. Principalmente, os conservadores.

3-Nesta vertente, eu leio a Revista Veja porque também não trato as minhas visões com os maniqueísmos reacionários do tipo “me dizes com que andas, eu te direi que és”. A Revista Veja tem lá suas claudicações crassas e às vezes até parte para posições antidemocráticas. O Estadão do mesmo modo. Mas, no todo de suas histórias, eles têm uma contribuição respeitável para o jornalismo e a democracia brasileira.

4-Não parto da idéia igualmente como quer certos setores da esquerda brasileira de execrar a Revista Veja porque hoje ela tenta e faz um massacre ao PT. Ora, ora, nunca tive e nem tenho utopia que a Revista Veja foi ou é um utensílio democrático de perspectiva da construção libertária de todas vozes deste país. Como também, não gosto da idéia que jornalismo bom: é aquele que diz o que eu quero ou que eu venha gostar.

5-Feito este meu reparo, eu ontem pude constatar que na última edição da Revista Veja há um editorial interessante sobre o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Inclusive, na defesa do Palocci.

6-Eu concordo com a Veja que o Palocci, em audiência especial da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, na semana passada, serviu para restabelecer a confiança e a credibilidade do ministro perante a Nação, ameaçadas com as notícias em torno de irregularidades na Prefeitura de Ribeirão Preto.

7-Depois do bombardeio que o ministro recebeu da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e de um enigmático silêncio do presidente Lula, a posição do ministro ficou mais do que vulnerável. Para muitos, o ministro "já teria caído".
8-Apesar da explícita tentativa do PFL e do PSDB de esvaziar a audiência, rejeitando qualquer tipo de pergunta sobre as denúncias contra a gestão de Palocci quando prefeito de Ribeirão Preto, o depoimento do ministro e, depois, a sabatina a que foi submetido, que durou cerca de dez horas, só terminando na madrugada, serviu para dirimir dúvidas e questionamentos.

9-O desempenho foi tão convincente e tranqüilo, que o próprio mercado financeiro não sofreu qualquer tipo de oscilação. Pelo contrário, o dólar manteve sua tendência de queda, enquanto a Bolsa de Valores fechava com leve alta. Mais uma demonstração da estabilidade da economia.
10-Negando as denúncias de corrupção e afastando qualquer hipótese de dinheiro irregular de Cuba na campanha de 2002, o ministro, contudo, foi firme e seguro nas explicações sobre as irregularidades na Prefeitura de Ribeirão Preto, demonstrando que se tratam de denúncias com objetivos políticos.

11-Na longa fala sobre os fundamentos da economia, Palocci também demonstrou que a política que vem sendo seguida é a melhor para o país.

12-E é mesmo!
13-A antecipação da audiência na Comissão de Assuntos Econômicos, também questionada pela oposição, foi, afinal, uma decisão acertada. Impediu que especulações no mercado financeiro adquirissem maior dimensão, ao mesmo tempo em que esvaziou a crise política decorrente do "fogo amigo" de Dilma Rousseff.
14-Palocci, portanto, entrou ministro e saiu ministro, ao contrário do que muitos especularam e deu por encerrado mais um episódio de desestabilização do governo, desta vez com a participação de membro importante do próprio governo.

15-Na verdade, um dos grandes avalistas do governo Lula tem sido o ministro Palocci, que manteve uma política econômica firme, em busca da estabilidade e da preservação da moeda para tenhamos no futuro um crescimento que envolva o mundo trabalho, o que não acontece há mais de 40 anos.

16-Até porque o ministro da Fazenda vem possibilitando a retomada do crescimento, com saldos históricos na balança comercial e, principalmente, com o cumprimento de metas de inflação e a manutenção de uma política severa de controle de preços e um crescimento econômico sustentável que favorece, principalmente, como já disse, o mundo do trabalho.

17-Isto talvez corrobore na minha tese que eu e a Revista Veja tenhamos algumas unidades em pensamento, mesmo que diminutas, porém temos. Se eu fizesse uma execração contra a Revista Veja, não poderia ler um belíssimo editorial de defesa à política econômica do governo Lula.

18- E assim, ao contrário do Nelson Rodrigues que dizia que “dez coisas, a esquerda se desune por uma e a direita se une apenas por uma”, eu parto a minha vida pessoal, política e acadêmica pela unidade societária, mesmo na argentária divergência e diferença no interior da condição humana.

19-E isso faz um bem danado porque comprova que temos sempre, sempre mesmo!, que conversar e interagir e o que torna um patrimônio pra quem quer construir o comunismo.

Aquele abraço,
Lauande.

Vou votar Lula porque será o único candidato que erra

(26 de março de 2006 - Publicado na lista Democracia)


Caros amigos,

1- O COLLOR, A REVISTA VEJA E O PT.

Antes de o Fernando Collor ser cassado nos seus direitos políticos, eu escrevi um artigo condenando a configuração como a imprensa e a oposição (especificamente o PT) ultrapassavam em desmesuradas ilegalidades no processo criminal contra o ex-presidente. Tudo arreda do Estado Democrático de Direito.

O que na época a imprensa, principalmente a Revista Veja, fez com o Collor foi um disparate contra democracia e contra toda luta da esquerda brasileira nos anos 60, 70 e 80 pela redemocratização.

Nesse meu artigo eu dizia que nós comunistas sofremos na Ditadura Militar porque foi negado o direito de presunção de inocência. Os militares faziam e aconteciam porque diziam que “tudo que é de esquerda é comunista e prejudicial ao país” (frase do Marechal Cordeiro de Farias em 1965).

Vale mencionar outra decorrência da inversão do ônus probatório no caso do Collor: é a delimitação de prazos razoáveis, para a realização de atos processuais, importando na garantia de que o réu deveria ser investigado com eqüidade jurídica. Mas não foi. Infelizmente.

Assinala-se que ele não teve também a vedação à coleta de provas ilícitas, em face da exigência da comprovação legal, que, em suma, se traduz na possibilidade de serem formuladas provas de culpabilidade conseguidas por meios criminosos com o simples objetivo de incriminar o Collor. As provas colhidas ao arrepio dos cânones legais (diria Rui Barbosa), portanto, resultantes de comportamento antijurídico, não deveriam ser admitidas para a aferição da culpabilidade. Mas foram e com a bênção de petistas e a de grande parte da imprensa.

Eu lembro que hoje o José Dirceu faz autocrítica desse processo e do encaminhamento petista na ocasião. Fez autocrítica porque sofreu na carne o revés da moeda, mas não necessariamente pela inicial convicção filosófica da democracia e da modernidade jurídica. É claro que com todo esse sofrimento, hoje ele tem isso como conteúdo de vida pela via do respeito democrático. O José Dirceu também citou como autocrítica sua participação no erro processual contra o finado e ex-deputado Ricardo Fiúza.

Por isso, eu quero dizer o seguinte: o Estado Democrático de Direito, do qual o Brasil é signatário, tem na presunção de inocência um de seus princípios, onde qualquer cidadão, inclusive o agente público, no caso o próprio Collor, não poderia entrar no rol dos culpados pelo cometimento de ato ilícito se não fosse provado, pelo órgão ou ente apurante, que ele cometeu qualquer ilícito ou falta disciplinar.

Eu entendia (e ainda entendo) na época que era importante que o julgamento do Collor seguisse o rito judicial e não a histeria dos petistas e da Revista Veja. E eu lembro que o Collor não foi condenado até hoje pelos fóruns da justiça brasileira.

Nunca votei no Collor e até porque ele era e é um reacionário e é um legítimo filho de uma burguesia patrimonialista da oligarquia alagoana.

Portanto, o meu mérito não é político strito sensu. Ou seja, no aspecto político, eu queria derrotá-lo na política. Mas não poderia e não deveria derrotá-lo com artimanhas anti-regimentais e anti-judiciosas pelo princípio de que os fins justificam os meios.

É que para nós comunistas a construção de um Estado Democrático de Direito é algo sempre revolucionário. Basilar, diria Norberto Bobbio.

Os comunistas também, por exemplo, sofreram muito no Estado Novo, no Governo Vargas, porque para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado era provar a sua própria inocência.

Aí o autoritário do Filinto Muller fez o que fez.

Só que o Filinto Muller com essa prática fez e faz escola até hoje.

Foi quando eu lembrei no meu artigo da célebre frase do ex-deputado José Genuíno ao dizer que o “Collor tinha que provar que era inocente”. Depois ele tentou minimizar, mas seu inconsciente histérico da época foi levado pela maresia hipócrita da corrente política petista na aliança com a grande parte da imprensa e nem perceberam o quanto eles faziam de atrocidade e incômodo com aquela forma e conteúdo de fazer política contra o Estado Democrático de Direito.

Assim Filinto Muller foi ressuscitado e recheado de hipocrisia.

Mas como o Collor já não servia mais para certos setores da elite brasileira, assim qualquer desvio com os princípios da legalidade eram “naturais” porque o mal maior era o próprio Collor.

Isso tudo é muito “natural” porque como bem lembrou o genial Sérgio Buarque de Hollanda: “as elites brasileiras pouco tinham intimidade com os princípios da legalidade do estado de direito”.

2 - O PT SOFRE O EFEITO DA LEI DE NEWTON

Mesmo mergulhado numa anormalidade iracunda (diria Michel Foucault), o PT tem uma coisa que hoje poucos partidos têm: o oxigênio dos movimentos sociais. É verdade que isso tem diminuído, mas ainda tem muito ar no pulmão para respirar. Do mesmo feitio do PT, eu só posso citar o PCB como protótipo, isso nos idos da década de 40 e 50.

Mesmo com esses movimentos sociais no seu interior partidário, o PT nunca foi essa coca-cola toda.

Sempre opinei que o PT pautou de forma enviesada certos assuntos pelo populismo, pelo conservadorismo, pelo anti-reformismo do estado brasileiro e uma estreiteza política de fazer inveja a muitos setores da direita.

Igualmente ainda hoje certos setores do PT brincam de fazer oposição ao governo Lula, pela via de uma ortodoxia econômica misturada com charlatanice de corporações sindicais enraizadas no estatismo. É verdade que grande parte do antigo tartufo petista da época da oposição foi embora e fundou um partido hiper-reacionário de conteúdo de direita: o P-Sol.

Com isso, eu opino que a Lei de Newton foi nefária ao PT.

E se ele na oposição foi em demasia bitolado e estreito, hoje ele sofre da ação geometricamente maior em aversão. Ainda mais com a adição preconceituosa da genealogia à lá Bornhausen.

Só que muito dessa aversão vem acompanhada de hipocrisia.

3 - DUAS VERSÕES HIPÓCRITAS QUE CAMPEIAM O IDEÁRIO POLÍTICO ATUAL.

3.1 - A primeira.

Domingo retrasado eu vi o grande mestre e filósofo (o não assumido tucano) José Arthur Giannotti no programa Canal Livre da TV Bandeirantes. Entre outras coisas, ele falou que “nunca um partido fez como o PT: assaltou sistemicamente o estado brasileiro”.

Mas não é só o Giannotti que diz isso. Vejo jornalistas, da seara política e políticos da oposição proclamando que o PT é assaltante do estado brasileiro de forma sistêmica. E que a vinda do PT para o Palácio do Planalto foi tão somente para assaltar o estado brasileiro.

Nesse discurso o PT foi o primeiro e único na história a fazer infestação do patrimonialismo sistêmico no estado brasileiro.

Faz-me rir.

Ou então, diante de tanta hipocrisia, a única coisa que eu peço: é que essas pessoas respeitem, pelo menos, a inteligência do povo brasileiro.

Parem com isso!

Leiam Raimundo Faoro.

Leiam Sérgio Buarque de Hollanda.

E vejam que eu não citei nenhum marxista, apenas magníficos weberianos.

Essa hipocrisia é para dissimular o quê?

Ou melhor, qual é o quê dessa hipocrisia?

O meu quê é que eu não vou gastar a tinta da minha impressora para dissecar, por exemplo, sobre o papel subserviente ou da aquiescência editorial da Editora Abril, do Estadão e do Jornal do Brasil, no período militar. As organizações GLOBO eu nem escrevo nada porque aí é triste demais o que ela fez contra democracia. E olhem que eu citei somente o período militar!

Isso impedem deles fazerem hoje críticas?

Claro que não! Muito pelo contrário.

Mas não me venham com uma dosagem virginal de pureza política ao dizer que o PT é hoje o mal de toda política brasileira, porque esses articulistas dificilmente fizeram um acerto de conta com a história na forma mais elementar: o passado patrimonial e elitista dos seus patrões.

Ou seja, caros amigos, vocês já viram algum articulista fazer alguma autocrítica dessa história de aliança patrimonial dos seus jornais com a ditadura militar e recentemente com as elites brasileiras?

Pois é...

Portanto, é aí que adentra, entre outras coisas, a hipocrisia que campeia muitos articulistas políticos nos grandes jornais.

3.2 - A segunda.

Como conseqüência da primeira, dizem que o Lula ainda encontra-se bem nas pesquisas porque as classes E, D e C não têm cabedal teórico para entender o que foi esse dito assalto petista. Já as classes B e A entendem e hoje repudiam a candidatura do Lula.

Foi quando eu pensei em buscar algumas raízes de retentivas na acelerada hipocrisia reinante.

Há 16 anos, fiz um estudo em Belém do Pará, como requisito de trabalho de conclusão de curso da minha graduação em ciências sociais, sobre inadimplência entre os trabalhadores que ganhavam até 3 salários mínimos. Pesquisei 30 trabalhadores. Depois fui verificar in loco em lojas populares o coeficiente de inadimplência desses próprios trabalhadores.

O resultado foi impressionante: 95% dos trabalhadores jamais atrasavam suas prestações e apenas 1% deixavam de pagar inteiramente as contas (inadimplência total).

No outro lado da ponta, no mesmo período, a minha colega socióloga e amiga Paula Mogno, estudou as pessoas que ganhavam mais de 10 salários mínimos. Pois bem, o índice de inadimplência era de 42% ordinariamente e 9% deixavam de pagar a inteiramente as contas.

Tem-se aí uma conclusão preliminar: quem ganha até 03 salários mínimos, segundo as pesquisas, hoje a grande maioria dos eleitores do Lula, são pessoas que honram seus compromissos creditícios. Já os que ganham mais de 10 salários mínimos, segundo as pesquisas, hoje os que repudiam o Lula, mais da metade não costumam honrar seus créditos.

Na época fui consultar o DIEESE, aqui do Pará, e esse sério instituto de pesquisa econômica confirmou também que são os trabalhadores que ganham até 3 salários mínimos que mais honram historicamente seus compromissos creditícios no Brasil.

Caros amigos, vejam como é esse mundo: as pessoas que dizem hoje, através das pesquisas, que o Lula deveria ser reeleito, são as que mais honram seus compromissos creditícios.

Entretanto, não vou fazer aqui o maniqueísmo (um dos germes da hipocrisia) que fazem certos articulistas políticos e parlamentares da oposição (principalmente tucana): generalizar pela avidez hipócrita.

Ou seja, esse dado de inadimplência pode dizer muita coisa, mas também não quer dizer nada.

Assim sendo, sendo assim, eu não posso dizer que as pessoas que ganham mais de 3 salários são mais honestas do que as pessoas que ganham mais de 10 salários mínimos.

Todos são honestos, até mesmo na inadimplência porque situações ocasionais de desemprego, falecimento de familiares e outras conjunturas podem ser circunstâncias factíveis e que não tiveram feição dolosa do inadimplente.

Como pretendo viver sempre fora dos padrões julgadores da onipotência reinante da hipocrisia, eu reputo em dizer que um só parâmetro societário não pode ser balança para julgar ninguém. No máximo posso dizer que há uma tendência. Mesmo assim isso não quer dizer muita coisa. Logo, essa questão da inadimplência é um fator de observação, mas não é o todo para julgar a honra das pessoas que ganham mais de 10 salários mínimos.

Citei o exemplo da inadimplência para demonstrar que é aí que surgem dois problemas da hipocrisia reinante: 1) a hipocrisia generaliza tudo e todos; 2) conseqüentemente, ela pré-julga e não gosta de julgamento democrático.

4 - AINDA BEM QUE NÓS TEMOS O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Diante de uma hipocrisia reinante que quer julgar acima das leis, folgo em saber que o Supremo Tribunal Federal continua atuante em prol do Estado Democrático de Direito.

A luta democrática do STF contra a maioria das posições antidemocráticas da CPI dos Correios e do Bingo vale hoje um mérito àqueles que lutaram pela democracia e contra o arbítrio.

É impressionante e admirável como os juizes do STF estão dando um banho de democracia e respeito ao Estado Democrático de Direito. Como sou comunista e acredito na democracia como valor universal, durmo mais tranqüilo quando vejo o STF atuando contra certas tiranias hipócritas das CPIs no Congresso Nacional.

O que se percebe hoje em dia, tomando como exemplo o show de aberrações jurídicas vivenciadas pelos defensores das CPIs, é uma inusitada situação, qual seja, a de que os réus precisam, antes de qualquer coisa, “ousar” exercer o sagrado direito de defesa. Depois se observa que o ônus da prova é do réu.

Um disparate contra democracia.

Ora, no processo penal moderno, pertence todo ao Ministério Público o ônus da prova ou no caso da CPIs e não sendo admissível que o indiciado tenha que suportar o encargo de provar que ele é inocente.

Eu lembro, ao contrário da reacionária senadora Heloísa Helena, o respeito à dignidade da pessoa humana é um direito fundamental e deve constituir essência do Estado Democrático de Direito, logo toda pessoa é inocente até que prove o contrário.

Eu cito sempre que na Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborada em 10 de dezembro de 1948, no art. XI.1, está escrito de forma clara, precisa e solene: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias á sua defesa”.

Agora vejam também, caros amigos, o que diz a Constituição do Brasil, no inciso LV do art. 5º, dispõe que: "... aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa ...".

Mas as CPIs não entendem ou fingem não entender que o acusado só há quando está instaurada a ação penal. No inquérito policial, não há acusado, e sim indiciado. Logo, a este não estão assegurados o contraditório e a ampla defesa. Ou seja, o contraditório, não estando assegurada a ampla defesa, a prova colhida nessa fase, por si só, não pode constituir fundamento para a sentença condenatória.

Assim o que querem fazer com o Paulo Okamoto, amigo do presidente Lula, é uma anomalia jurídica. Até porque o direito de defesa é um direito inviolável em qualquer estado ou grau de procedimento. Só que as CPIs, o tucanato e os alguns articulistas políticos já julgam sem provas.

Não admito que me venham com um “estado de terror”. Precisamos de juízes que não tenham medo julgar, absolvendo quando tiver que ser feito, e não, obedecendo a uma mídia desesperada e um Ministério Público, muitas vezes, fanático em acusar, em sobrepondo-se ao juiz, ao impor já a priori a condenação.

E lá nas CPIs, em suas relatorias, fazem vinganças com imposição de penas desmedidas e cruéis e em muitos casos sem nenhum tipo de prova cabal.

Ainda bem que nós temos um STF. Porque senão, do jeito que vai, a hipocrisia poderia ganhar da democracia.

5-PARECE QUE A OPOSIÇÃO NUNCA ERROU E NUNCA VAI ERRAR

Quando eu vejo determinados políticos da oposição, eu faço logo um raciocínio categórico: a hipocrisia é uma coisa que me incomoda bastante.

É que eu vejo um grau de tão grande onipotência de determinados políticos que parece que eles nunca erraram e dificilmente vão errar.
Aí vou escrever o óbvio: todos somos seres humanos e assim, cometemos erros.

Certo? Ou será que eu escrevi o óbvio?

Sei não.

Ao olhar e observar certos políticos, começo a imaginar que posso ajuizar errado. Porque hoje quando vejo um Arthur Virgílio falando, eu fico indagando se todos os seres humanos erram?

Eu li a entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente na Revista Veja e achei que eu estava lendo um super homem, ou um ser humano fora dos marcos da condição humana e chegando a patamares da canonização política.

Mas cá com meu teclado do computador, a gente sempre se esforça para não errar, damos o melhor de nós em tudo que fazemos e, por mais que quisermos, não somos infalíveis. Pisar na bola todo mundo pisa. Agora, o que eu observo como complicado quando se condena alguém por não agir de acordo com o seu código moral e, você mesmo não age de acordo com esse código.

Isso eu chamo de hipocrisia.
Errar é humano, comentar o erro dos outros, criticar, é humano também, analisar o erro alheio pode ser inclusive didático, mas atacar e condenar a ação dos outros quando nós mesmos falhamos ao seguir o código que nos baseamos para julgar, isso é falso moralismo.

Basicamente, o que estou tentando dizer é que moralismo (não a moral) já é uma coisa ruim, falso moralismo então, bom, sem palavras.

Vejam o caso do Caixa 02.

Não que muitos parlamentares queiram fazer de forma dolosa o Caixa 02, é que o formato partidário e eleitoral no Brasil leva conseqüentemente ao artifício ilegal do Caixa 02. O próprio Arthur Virgílio, num dos seus momentos raros de ser humano, disse que já fez, na eleição de 1986, Caixa 02. O Partidão, em outro exemplo, foi useiro e vezeiro de fazer Caixa 02 com o dinheiro soviético. E assim vai.

Portanto, eu repito, bombardear a atuação dos outros quando nós mesmos falhamos ao seguir o código que nos baseamos para reputar e julgar, isso é falso moralismo. Coisa de reacionário. Algo que a direita sempre fez nesse país. Vide atualmente ACM, Heloísa Helena, Chico Alencar, Jorge Bornhausen e tantos outros.

Aí lembro de Cristo: “[...] Que estiver sem pecado que atire a primeira pedra". Porque Cristo sabia que o ser humano erra. Isso não vale, é claro, para certos partidos da oposição porque parecem que eles não são seres humanos.
Por isso, vou votar Lula porque será o único candidato que erra. E ainda bem que temos um candidato que erra!

E também como sou nelsonrodriguiano de carteirinha, abomino as pessoas que não erram. E que na maioria das vezes são extremamente caretas, como bem disse a sempre bela e fogosa Vera Fischer.

Aquele abraço,
Lauande.