21 de maio de 2007

Vou votar Lula porque será o único candidato que erra

(26 de março de 2006 - Publicado na lista Democracia)


Caros amigos,

1- O COLLOR, A REVISTA VEJA E O PT.

Antes de o Fernando Collor ser cassado nos seus direitos políticos, eu escrevi um artigo condenando a configuração como a imprensa e a oposição (especificamente o PT) ultrapassavam em desmesuradas ilegalidades no processo criminal contra o ex-presidente. Tudo arreda do Estado Democrático de Direito.

O que na época a imprensa, principalmente a Revista Veja, fez com o Collor foi um disparate contra democracia e contra toda luta da esquerda brasileira nos anos 60, 70 e 80 pela redemocratização.

Nesse meu artigo eu dizia que nós comunistas sofremos na Ditadura Militar porque foi negado o direito de presunção de inocência. Os militares faziam e aconteciam porque diziam que “tudo que é de esquerda é comunista e prejudicial ao país” (frase do Marechal Cordeiro de Farias em 1965).

Vale mencionar outra decorrência da inversão do ônus probatório no caso do Collor: é a delimitação de prazos razoáveis, para a realização de atos processuais, importando na garantia de que o réu deveria ser investigado com eqüidade jurídica. Mas não foi. Infelizmente.

Assinala-se que ele não teve também a vedação à coleta de provas ilícitas, em face da exigência da comprovação legal, que, em suma, se traduz na possibilidade de serem formuladas provas de culpabilidade conseguidas por meios criminosos com o simples objetivo de incriminar o Collor. As provas colhidas ao arrepio dos cânones legais (diria Rui Barbosa), portanto, resultantes de comportamento antijurídico, não deveriam ser admitidas para a aferição da culpabilidade. Mas foram e com a bênção de petistas e a de grande parte da imprensa.

Eu lembro que hoje o José Dirceu faz autocrítica desse processo e do encaminhamento petista na ocasião. Fez autocrítica porque sofreu na carne o revés da moeda, mas não necessariamente pela inicial convicção filosófica da democracia e da modernidade jurídica. É claro que com todo esse sofrimento, hoje ele tem isso como conteúdo de vida pela via do respeito democrático. O José Dirceu também citou como autocrítica sua participação no erro processual contra o finado e ex-deputado Ricardo Fiúza.

Por isso, eu quero dizer o seguinte: o Estado Democrático de Direito, do qual o Brasil é signatário, tem na presunção de inocência um de seus princípios, onde qualquer cidadão, inclusive o agente público, no caso o próprio Collor, não poderia entrar no rol dos culpados pelo cometimento de ato ilícito se não fosse provado, pelo órgão ou ente apurante, que ele cometeu qualquer ilícito ou falta disciplinar.

Eu entendia (e ainda entendo) na época que era importante que o julgamento do Collor seguisse o rito judicial e não a histeria dos petistas e da Revista Veja. E eu lembro que o Collor não foi condenado até hoje pelos fóruns da justiça brasileira.

Nunca votei no Collor e até porque ele era e é um reacionário e é um legítimo filho de uma burguesia patrimonialista da oligarquia alagoana.

Portanto, o meu mérito não é político strito sensu. Ou seja, no aspecto político, eu queria derrotá-lo na política. Mas não poderia e não deveria derrotá-lo com artimanhas anti-regimentais e anti-judiciosas pelo princípio de que os fins justificam os meios.

É que para nós comunistas a construção de um Estado Democrático de Direito é algo sempre revolucionário. Basilar, diria Norberto Bobbio.

Os comunistas também, por exemplo, sofreram muito no Estado Novo, no Governo Vargas, porque para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado era provar a sua própria inocência.

Aí o autoritário do Filinto Muller fez o que fez.

Só que o Filinto Muller com essa prática fez e faz escola até hoje.

Foi quando eu lembrei no meu artigo da célebre frase do ex-deputado José Genuíno ao dizer que o “Collor tinha que provar que era inocente”. Depois ele tentou minimizar, mas seu inconsciente histérico da época foi levado pela maresia hipócrita da corrente política petista na aliança com a grande parte da imprensa e nem perceberam o quanto eles faziam de atrocidade e incômodo com aquela forma e conteúdo de fazer política contra o Estado Democrático de Direito.

Assim Filinto Muller foi ressuscitado e recheado de hipocrisia.

Mas como o Collor já não servia mais para certos setores da elite brasileira, assim qualquer desvio com os princípios da legalidade eram “naturais” porque o mal maior era o próprio Collor.

Isso tudo é muito “natural” porque como bem lembrou o genial Sérgio Buarque de Hollanda: “as elites brasileiras pouco tinham intimidade com os princípios da legalidade do estado de direito”.

2 - O PT SOFRE O EFEITO DA LEI DE NEWTON

Mesmo mergulhado numa anormalidade iracunda (diria Michel Foucault), o PT tem uma coisa que hoje poucos partidos têm: o oxigênio dos movimentos sociais. É verdade que isso tem diminuído, mas ainda tem muito ar no pulmão para respirar. Do mesmo feitio do PT, eu só posso citar o PCB como protótipo, isso nos idos da década de 40 e 50.

Mesmo com esses movimentos sociais no seu interior partidário, o PT nunca foi essa coca-cola toda.

Sempre opinei que o PT pautou de forma enviesada certos assuntos pelo populismo, pelo conservadorismo, pelo anti-reformismo do estado brasileiro e uma estreiteza política de fazer inveja a muitos setores da direita.

Igualmente ainda hoje certos setores do PT brincam de fazer oposição ao governo Lula, pela via de uma ortodoxia econômica misturada com charlatanice de corporações sindicais enraizadas no estatismo. É verdade que grande parte do antigo tartufo petista da época da oposição foi embora e fundou um partido hiper-reacionário de conteúdo de direita: o P-Sol.

Com isso, eu opino que a Lei de Newton foi nefária ao PT.

E se ele na oposição foi em demasia bitolado e estreito, hoje ele sofre da ação geometricamente maior em aversão. Ainda mais com a adição preconceituosa da genealogia à lá Bornhausen.

Só que muito dessa aversão vem acompanhada de hipocrisia.

3 - DUAS VERSÕES HIPÓCRITAS QUE CAMPEIAM O IDEÁRIO POLÍTICO ATUAL.

3.1 - A primeira.

Domingo retrasado eu vi o grande mestre e filósofo (o não assumido tucano) José Arthur Giannotti no programa Canal Livre da TV Bandeirantes. Entre outras coisas, ele falou que “nunca um partido fez como o PT: assaltou sistemicamente o estado brasileiro”.

Mas não é só o Giannotti que diz isso. Vejo jornalistas, da seara política e políticos da oposição proclamando que o PT é assaltante do estado brasileiro de forma sistêmica. E que a vinda do PT para o Palácio do Planalto foi tão somente para assaltar o estado brasileiro.

Nesse discurso o PT foi o primeiro e único na história a fazer infestação do patrimonialismo sistêmico no estado brasileiro.

Faz-me rir.

Ou então, diante de tanta hipocrisia, a única coisa que eu peço: é que essas pessoas respeitem, pelo menos, a inteligência do povo brasileiro.

Parem com isso!

Leiam Raimundo Faoro.

Leiam Sérgio Buarque de Hollanda.

E vejam que eu não citei nenhum marxista, apenas magníficos weberianos.

Essa hipocrisia é para dissimular o quê?

Ou melhor, qual é o quê dessa hipocrisia?

O meu quê é que eu não vou gastar a tinta da minha impressora para dissecar, por exemplo, sobre o papel subserviente ou da aquiescência editorial da Editora Abril, do Estadão e do Jornal do Brasil, no período militar. As organizações GLOBO eu nem escrevo nada porque aí é triste demais o que ela fez contra democracia. E olhem que eu citei somente o período militar!

Isso impedem deles fazerem hoje críticas?

Claro que não! Muito pelo contrário.

Mas não me venham com uma dosagem virginal de pureza política ao dizer que o PT é hoje o mal de toda política brasileira, porque esses articulistas dificilmente fizeram um acerto de conta com a história na forma mais elementar: o passado patrimonial e elitista dos seus patrões.

Ou seja, caros amigos, vocês já viram algum articulista fazer alguma autocrítica dessa história de aliança patrimonial dos seus jornais com a ditadura militar e recentemente com as elites brasileiras?

Pois é...

Portanto, é aí que adentra, entre outras coisas, a hipocrisia que campeia muitos articulistas políticos nos grandes jornais.

3.2 - A segunda.

Como conseqüência da primeira, dizem que o Lula ainda encontra-se bem nas pesquisas porque as classes E, D e C não têm cabedal teórico para entender o que foi esse dito assalto petista. Já as classes B e A entendem e hoje repudiam a candidatura do Lula.

Foi quando eu pensei em buscar algumas raízes de retentivas na acelerada hipocrisia reinante.

Há 16 anos, fiz um estudo em Belém do Pará, como requisito de trabalho de conclusão de curso da minha graduação em ciências sociais, sobre inadimplência entre os trabalhadores que ganhavam até 3 salários mínimos. Pesquisei 30 trabalhadores. Depois fui verificar in loco em lojas populares o coeficiente de inadimplência desses próprios trabalhadores.

O resultado foi impressionante: 95% dos trabalhadores jamais atrasavam suas prestações e apenas 1% deixavam de pagar inteiramente as contas (inadimplência total).

No outro lado da ponta, no mesmo período, a minha colega socióloga e amiga Paula Mogno, estudou as pessoas que ganhavam mais de 10 salários mínimos. Pois bem, o índice de inadimplência era de 42% ordinariamente e 9% deixavam de pagar a inteiramente as contas.

Tem-se aí uma conclusão preliminar: quem ganha até 03 salários mínimos, segundo as pesquisas, hoje a grande maioria dos eleitores do Lula, são pessoas que honram seus compromissos creditícios. Já os que ganham mais de 10 salários mínimos, segundo as pesquisas, hoje os que repudiam o Lula, mais da metade não costumam honrar seus créditos.

Na época fui consultar o DIEESE, aqui do Pará, e esse sério instituto de pesquisa econômica confirmou também que são os trabalhadores que ganham até 3 salários mínimos que mais honram historicamente seus compromissos creditícios no Brasil.

Caros amigos, vejam como é esse mundo: as pessoas que dizem hoje, através das pesquisas, que o Lula deveria ser reeleito, são as que mais honram seus compromissos creditícios.

Entretanto, não vou fazer aqui o maniqueísmo (um dos germes da hipocrisia) que fazem certos articulistas políticos e parlamentares da oposição (principalmente tucana): generalizar pela avidez hipócrita.

Ou seja, esse dado de inadimplência pode dizer muita coisa, mas também não quer dizer nada.

Assim sendo, sendo assim, eu não posso dizer que as pessoas que ganham mais de 3 salários são mais honestas do que as pessoas que ganham mais de 10 salários mínimos.

Todos são honestos, até mesmo na inadimplência porque situações ocasionais de desemprego, falecimento de familiares e outras conjunturas podem ser circunstâncias factíveis e que não tiveram feição dolosa do inadimplente.

Como pretendo viver sempre fora dos padrões julgadores da onipotência reinante da hipocrisia, eu reputo em dizer que um só parâmetro societário não pode ser balança para julgar ninguém. No máximo posso dizer que há uma tendência. Mesmo assim isso não quer dizer muita coisa. Logo, essa questão da inadimplência é um fator de observação, mas não é o todo para julgar a honra das pessoas que ganham mais de 10 salários mínimos.

Citei o exemplo da inadimplência para demonstrar que é aí que surgem dois problemas da hipocrisia reinante: 1) a hipocrisia generaliza tudo e todos; 2) conseqüentemente, ela pré-julga e não gosta de julgamento democrático.

4 - AINDA BEM QUE NÓS TEMOS O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Diante de uma hipocrisia reinante que quer julgar acima das leis, folgo em saber que o Supremo Tribunal Federal continua atuante em prol do Estado Democrático de Direito.

A luta democrática do STF contra a maioria das posições antidemocráticas da CPI dos Correios e do Bingo vale hoje um mérito àqueles que lutaram pela democracia e contra o arbítrio.

É impressionante e admirável como os juizes do STF estão dando um banho de democracia e respeito ao Estado Democrático de Direito. Como sou comunista e acredito na democracia como valor universal, durmo mais tranqüilo quando vejo o STF atuando contra certas tiranias hipócritas das CPIs no Congresso Nacional.

O que se percebe hoje em dia, tomando como exemplo o show de aberrações jurídicas vivenciadas pelos defensores das CPIs, é uma inusitada situação, qual seja, a de que os réus precisam, antes de qualquer coisa, “ousar” exercer o sagrado direito de defesa. Depois se observa que o ônus da prova é do réu.

Um disparate contra democracia.

Ora, no processo penal moderno, pertence todo ao Ministério Público o ônus da prova ou no caso da CPIs e não sendo admissível que o indiciado tenha que suportar o encargo de provar que ele é inocente.

Eu lembro, ao contrário da reacionária senadora Heloísa Helena, o respeito à dignidade da pessoa humana é um direito fundamental e deve constituir essência do Estado Democrático de Direito, logo toda pessoa é inocente até que prove o contrário.

Eu cito sempre que na Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborada em 10 de dezembro de 1948, no art. XI.1, está escrito de forma clara, precisa e solene: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias á sua defesa”.

Agora vejam também, caros amigos, o que diz a Constituição do Brasil, no inciso LV do art. 5º, dispõe que: "... aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa ...".

Mas as CPIs não entendem ou fingem não entender que o acusado só há quando está instaurada a ação penal. No inquérito policial, não há acusado, e sim indiciado. Logo, a este não estão assegurados o contraditório e a ampla defesa. Ou seja, o contraditório, não estando assegurada a ampla defesa, a prova colhida nessa fase, por si só, não pode constituir fundamento para a sentença condenatória.

Assim o que querem fazer com o Paulo Okamoto, amigo do presidente Lula, é uma anomalia jurídica. Até porque o direito de defesa é um direito inviolável em qualquer estado ou grau de procedimento. Só que as CPIs, o tucanato e os alguns articulistas políticos já julgam sem provas.

Não admito que me venham com um “estado de terror”. Precisamos de juízes que não tenham medo julgar, absolvendo quando tiver que ser feito, e não, obedecendo a uma mídia desesperada e um Ministério Público, muitas vezes, fanático em acusar, em sobrepondo-se ao juiz, ao impor já a priori a condenação.

E lá nas CPIs, em suas relatorias, fazem vinganças com imposição de penas desmedidas e cruéis e em muitos casos sem nenhum tipo de prova cabal.

Ainda bem que nós temos um STF. Porque senão, do jeito que vai, a hipocrisia poderia ganhar da democracia.

5-PARECE QUE A OPOSIÇÃO NUNCA ERROU E NUNCA VAI ERRAR

Quando eu vejo determinados políticos da oposição, eu faço logo um raciocínio categórico: a hipocrisia é uma coisa que me incomoda bastante.

É que eu vejo um grau de tão grande onipotência de determinados políticos que parece que eles nunca erraram e dificilmente vão errar.
Aí vou escrever o óbvio: todos somos seres humanos e assim, cometemos erros.

Certo? Ou será que eu escrevi o óbvio?

Sei não.

Ao olhar e observar certos políticos, começo a imaginar que posso ajuizar errado. Porque hoje quando vejo um Arthur Virgílio falando, eu fico indagando se todos os seres humanos erram?

Eu li a entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente na Revista Veja e achei que eu estava lendo um super homem, ou um ser humano fora dos marcos da condição humana e chegando a patamares da canonização política.

Mas cá com meu teclado do computador, a gente sempre se esforça para não errar, damos o melhor de nós em tudo que fazemos e, por mais que quisermos, não somos infalíveis. Pisar na bola todo mundo pisa. Agora, o que eu observo como complicado quando se condena alguém por não agir de acordo com o seu código moral e, você mesmo não age de acordo com esse código.

Isso eu chamo de hipocrisia.
Errar é humano, comentar o erro dos outros, criticar, é humano também, analisar o erro alheio pode ser inclusive didático, mas atacar e condenar a ação dos outros quando nós mesmos falhamos ao seguir o código que nos baseamos para julgar, isso é falso moralismo.

Basicamente, o que estou tentando dizer é que moralismo (não a moral) já é uma coisa ruim, falso moralismo então, bom, sem palavras.

Vejam o caso do Caixa 02.

Não que muitos parlamentares queiram fazer de forma dolosa o Caixa 02, é que o formato partidário e eleitoral no Brasil leva conseqüentemente ao artifício ilegal do Caixa 02. O próprio Arthur Virgílio, num dos seus momentos raros de ser humano, disse que já fez, na eleição de 1986, Caixa 02. O Partidão, em outro exemplo, foi useiro e vezeiro de fazer Caixa 02 com o dinheiro soviético. E assim vai.

Portanto, eu repito, bombardear a atuação dos outros quando nós mesmos falhamos ao seguir o código que nos baseamos para reputar e julgar, isso é falso moralismo. Coisa de reacionário. Algo que a direita sempre fez nesse país. Vide atualmente ACM, Heloísa Helena, Chico Alencar, Jorge Bornhausen e tantos outros.

Aí lembro de Cristo: “[...] Que estiver sem pecado que atire a primeira pedra". Porque Cristo sabia que o ser humano erra. Isso não vale, é claro, para certos partidos da oposição porque parecem que eles não são seres humanos.
Por isso, vou votar Lula porque será o único candidato que erra. E ainda bem que temos um candidato que erra!

E também como sou nelsonrodriguiano de carteirinha, abomino as pessoas que não erram. E que na maioria das vezes são extremamente caretas, como bem disse a sempre bela e fogosa Vera Fischer.

Aquele abraço,
Lauande.

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